Uma antiga regrinha básica para coberturas jornalísticas de comícios e manifestações é: jamais confie nos números alardeados pelos organizadores. Não há na história política mundial líderes de manifestações que não chutem para cima o número de participantes, na expectativa de que os atos pareçam maiores do que de fato são.
Calcular multidões é um desafio e tanto mesmo para repórteres experientes. Descartado o entusiasmo de organizadores, um recurso frequente é se tomar como parâmetro a estimativa fornecida pela polícia ou pelos bombeiros, que lidam cotidianamente com concentrações. Ainda assim, não há garantia de cálculos precisos e, dependendo do ato, um governante mal intencionado pode orientar uma contabilidade conjugada a seus interesses.
Há algumas décadas, disposto a dar um banho de realidade no festival de exageros, o Datafolha desenvolveu um interessante método de cálculo de multidões de acordo com a concentração média de pessoas por metro quadrado. Os pesquisadores percorrem a área e mapeiam a ocupação, em um sistema que é válido também para passeatas com trajeto definido. No entanto, há limitações, como flutuações de público e manifestações que seguem rotas não previstas, além do que apenas alguns atos de grande monta merecem tal atenção.
Na peleia bolsonaristas x antibolsonaristas, o número de manifestantes se converteu em moeda cuja cotação varia de acordo com o gosto do freguês. Tome-se como exemplo a já célebre motociata de Jair Bolsonaro em São Paulo em 12 de junho. Seus organizadores proclamaram a presença de mais de 1,3 milhão de participantes, número que se espalhou rapidamente pelas redes sociais, inclusive com um suposto recorde do Guinness, logo desmentido pelo próprio Guinness. A Secretaria da Segurança de São Paulo projetou 12 mil motocicletas mas o sistema de pedágio da Rodovia dos Bandeirantes registrou a passagem de 6.151 veículos.
Diante de números díspares, o bom senso jornalístico sugere que cálculos visuais sejam aproximados. Na ausência de pesquisas confiáveis ou registros eletrônicos, como catracas, em vez de cravar estatísticas aleatórias o mais recomendável é se estimar multidões em dezenas, centenas, milhares, dezenas de milhares ou centenas de milhares de pessoas. Nesses casos, a imprecisão impede que se reproduzam distorções a serviço de interesses políticos.
Noves fora a manipulação de multidões e o esforço da imprensa para restabelecer a verdade, o melhor mesmo nesses tempos de pandemia é não aglomerar. Ou reunir manifestantes em modo virtual, que é bem mais saudável e cartesiano na hora da contagem.