Como quase tudo no Brasil passou a ser examinado por lentes polarizadas, assiste-se por aqui a um espetáculo de tortura de estatísticas sobre a Covid-19 conforme o canto do corner ideológico. Números deveriam ser cartesianos mas no caso da pandemia há poucos aspectos definitivos.
Em primeiro lugar, o cotejo puro e simples de estatísticas entre países serve apenas como uma referência. A incidência de variantes mais contagiosas e letais, a idade média da população, a densidade demográfica, o grau de testagem, os indicadores de comorbidades e as subnotificações dificultam comparações simplistas.
A ciência tem um caderno de dúvidas a esclarecer pelos próximos anos, mas ainda assim algumas questões são cristalinas. A primeira delas: rankings absolutos ofuscam comparativos. É o caso do número de mortos e de vacinação. Ao despontar com mais de 4 mil mortos diários por Covid, o Brasil vive a maior calamidade de sua história, mas não é o país com maior mortalidade no momento. O trágico título cabe à Hungria, com 2,43 mortos por 100 mil habitantes nos sete dias prévios. A taxa brasileira era de 1,35 morto pela doença por 100 mil habitantes, em um nada tranquilizador sétimo lugar, ainda mais se levada em conta a proporção de idosos, mais vulneráveis à Covid, na população. A idade média na Hungria é de 43 anos, contra 33 no Brasil.
Por outro lado, o Brasil é mesmo o quinto país que mais aplicou vacinas, mas nem de longe, como o governo quer fazer crer, disputa a liderança do ranking de imunização, medido pelo percentual de vacinados. Na verdade, o Brasil luta para ficar entre os 50 que, proporcionalmente à população, mais imunizaram contra a Covid.
Outra conclusão que agora parece óbvia: é temerário se fazer análises definitivas em quadros provisórios. A Suécia, que já fora apontada como referência mundial de contenção do vírus sem adotar grandes restrições, exibia nesta semana 51 casos diários por 100 mil habitantes, o 14º mais alto no mundo e quase cinco vezes mais que a vizinha Noruega, de condições sociais e demográficas similares.
O Uruguai é outro triste exemplo de análises afoitas. Nos primeiros meses da pandemia, nosso estimado vizinho era apontado como exemplo de controle do vírus mas nesta semana chegou ao topo do ranking mundial: registrou na sexta-feira a média de 93 casos diários por 100 mil habitantes nos sete dias prévios (o Rio Grande Sul tinha 37/100 mil, também muito alto).
Como de hábito, os alemães cunharam uma palavra para definir o que pode ter assolado o Uruguai: Pandemüde, a junção de pandemia com cansaço, um terreno fértil para que novas variantes se espalhem e se somem ao trágico coquetel de irresponsabilidade e imprevidência que abrem caminho para o vírus. De definitivo, resta o tripé que comprovadamente curva as estatísticas para baixo: vacinação em massa, distanciamento social e uso de máscaras eficazes por todos.