Sejam os atos perpetrados por extremistas de direita ou de esquerda, invasões de parlamentos democraticamente eleitos, como o do Congresso dos EUA, têm um antídoto universal: prender quem infringe a lei, identificar os autores, julgar os responsáveis e punir de acordo com seu grau de liderança no atentado à democracia.
As cenas de invasão do Capitólio lembram atos similares no Brasil, onde outros radicais, mas de esquerda e com o mesmo cântico de "nós somos o povo", já ocuparam parlamentos, agrediram jornalistas e tentaram impedir votações. Há peculiaridades, contudo. Nos EUA, a invasão também fez parecer que as portas de um hospício ideológico foram abertas, tal o grau de delírio nos slogans, adereços e atitudes dos baderneiros. É fato que fanáticos radicalizados pelas redes sociais, entre os quais adeptos do QAnon, movimento que enxerga uma conspiração pedófila para dominar o mundo, programaram para se encontrar em Washington em 6 de janeiro. Mas a principal diferença é que, lá, alguém no alto abriu o portão do manicômio político, apontou para onde eles deviam se dirigir e como agir.
O Tribunal de Nuremberg mostrou há mais de seis décadas, e a Corte Internacional de Justiça de Haia vem referendando desde então, que líderes políticos não precisam sujar diretamente as próprias mãos para serem responsabilizados por ataques à dignidade humana ou a sistemas democráticos. Mas, com sua imunidade presidencial e calculado apelo para que os manifestantes a quem disse amar voltassem para casa, é pouco provável que Donald Trump venha a ser conduzido diante de um juiz pelo seu papel no rio de mentiras e radicalismos que desaguou no 6 de janeiro.
Ao incitar uma insurreição contra a democracia dos EUA, porém, Trump vê desmoronar suas pretensões de seguir como farol de vastas porções do eleitorado norte-americano — a rebelião republicana contra o desvario de quarta-feira demonstra que o presidente imolou-se com sua estupidez atávica também dentro do próprio partido. A questão é que, com Trump fora do poder e enfraquecido por obra e graça de sua soberba autoritária, o próximo chefe de Estado na fila para segurar o bastão da extrema direita mundial reside no Brasil e não condenou a invasão do Capitólio.