Finalmente, depois de meses, fui levada para fazer a vacina de prevenção à covid.
Foi decisão imediata, não comentei com ninguém nem de casa, e saberia das exclamações do pessoal de fora: “Como, vais te arriscar?”. “Olha que na Noruega alguém tomou a vacina e caiu morto na mesma hora”. E por aí afora. Comentei com um amigo: quando isso se torna muito invasivo, ou chato, a gente pensa em Mozart, uma passagem sublime do Requiem, e não discute. Faço esse tipo de coisa muitas vezes, quando algum noticioso está repetitivo ou sinistro demais.
Então, fui levada para vacinar, no edifício Santa Marta, aqui no centro da cidade. Pouquíssima fila, duas pessoas na minha frente, cadeiras para sentar, no mesmo saguão vários moradores de rua ou despossuídos esperando serem atendidos em outras salas. Na saleta da vacina, limpeza absoluta, organização, desinfecção, duas simpaticíssimas enfermeiras. Tudo como devia ser, até a foto que minha editora tinha pedido, feita pelo taxista nosso amigo, que me levou, saiu direitinho.
Pessoal de casa, feliz da vida. Outros já perguntam o que senti, o que sinto hoje. O mesmo que sinto cada vez que, anualmente, faço minha vacina contra gripe: nada na hora, nada hoje, um dia depois. Só mais tranquilidade.
Se vacinamos contra tuberculose, paralisia infantil, varíola e não sei quantas mais, por que essa briga, esse fanatismo contra a vacina, essa disputa entre CoronaVac, Oxford e outras tantas, como se todos fôssemos especialistas? Acredito na ciência, e no meu médico pessoal, e pronto.
Também acredito, assustada, em um talvez meio inconsciente suicídio geral por medo, suicídio por teimosia, por desinformação, assim como nas minhas séries criminais em que se fala em suicide by cop.
Em vez de se matar, provocar o tiro de um policial.
(Sim, eu vejo minha série de Chicagos... nem só de cinema cult se vive.) Suicide by ignorance?
Estou garantida? Claro que não. Foi um primeiro passo, continuam os cuidados, que não vão parar tão cedo aliás, para todos nós, em três meses segunda dose, e então um pouquinho mais de liberdade, e esperança.
Por que nos fazemos de paranoides vítimas de tudo e todos? Preferimos a tragédia atual, milhares de mortos a cada dia, só neste país tão mal organizado, tantas mortes evitáveis, tanto sofrimento inútil, em favor de alguma ideologia mal entendida, mais mal elaborada, ou simplesmente por seguir opiniões que nem entendemos bem? Medos que não revelamos?
Algo está muito errado. Sobretudo com o governo federal e o Ministério da Saúde, tão omissos. Cada um de nós deve procurar, por si, o necessário apoio. Seria mais simples, lúcido e saudável se cuidar muito por pior que seja, e se vacinar, para depois não vivermos tragédias evitáveis (expressão bem útil neste momento).
Alguém me escreveu que ando pessimista.
Não totalmente, não virei uma pessoa sombria, mas digamos que sou, como dizia o querido Suassuna, uma pessimista esperançosa. Ainda tenho esperança de que autoridades endureçam, façam todas as restrições possíveis, troquem política por humanidade e compaixão, assumam a responsabilidade trágica que é a deles, a de todos nós, neste momento.
Enquanto isso, nosso coração vai sendo rasgado aos pedacinhos, a cada pessoa amada que se vai.