Uma leitora me pede que escreva sobre envelhecer. Já escrevi sobre isso tantas vezes, em artigos, crônicas, romances e poemas, que pareço me repetir sempre, mas o tema parece eterno, então vamos lá.
Considero o processo de envelhecimento, isto é, a passagem do tempo, como um processo natural. Nunca tive medo de ser adulta, ao contrário, em criança achava que eram os adultos os interessantes, felizes, sábios. Nunca tive medo de envelhecer, pois a alternativa, como todos sabem, é a morte. Vi outro dia a frase “velho é o jovem que deu certo”. Sim.
Tem seu preço? Tudo tem sem preço.
Uma das questões é não ter medo de rugas, de flacidez, e com isso realizar mais e mais cirurgias, que, depois daquela inicial que embeleza, e renova, acabam por deformar e despertar piedade. Estética acima do bem-estar interior? Que desperdício.
O jeito melhor é se ocupar: pintura, escrita, aulas de qualquer coisa, muita leitura, caminhadas se corpo e saúde permitirem, amizades boas. Claro que agora, nesta fase de pandemia, tudo fica muito difícil, eu mesma estou em casa há mais de 10 meses, como tantas pessoas mais pelo mundo afora. Mas podemos nos comunicar, e distrair, e ver bons filmes, belos documentários, seja o que for que nos faça bem. Não basta, não é a mesma coisa, falta a sagrada liberdade, estamos todos, pelo mundo afora, meio deprimidos, cansados, impacientes, desanimados.
Eu me incluo nessa turma.
Difícil, frustrante, triste? Mas é porque estamos numa situação ruim, especial. Velhice não é isso. Normalmente não é isolamento e afastamento de pessoas amadas. É mudança. Para aceitar com naturalidade, ou ficamos chatos. Doença? Ah, sim, o corpo não é o de anos atrás, mas vamos lembrar que jovens adoecem, jovens se matam, jovens têm perdas. Talvez as perdas agora sejam o pior, ao menos pra mim: amizades que se vão, seja por doença, seja por algum acidente, seja porque afinal a Velha Senhora é irremediável visita. Dói muito deletar os nomes no nosso celular. É pesado, sim. Porque o coração nada deleta.
Porém, o tempo não se importa com nada disso, não importamos para ele, é um rio que corre, título de um livro meu, soberano e tranquilo. E temos de nos adaptar, ou quebramos, ou nos deprimimos, ou nos isolamos, ou nos matamos.
Já não tenho a força de anos atrás: traduzia sem problema quatro, seis horas por dia, ou mais. Hoje, três horas me cansam. Porque estou doente? Não, porque tenho 82 anos. Amizades, sejam as fraternas, ou as amorosas, me importam muito mais: porque estou carente? Não sei, talvez porque saiba mais o seu valor.
A dor da alma custa a passar, precisa de mais colo, mais presença, mais carinho. Fora isso, estamos sempre aí, na luta, guerreiros e guerreiras, feito São Jorge e Joana d’Arc, e é preciso encontrar valor, alegria, contentamento, nisso que ainda podemos ser, não importando a idade. Sendo queridos, apreciando as pessoas, e tentando fazer o melhor. Tudo menos desistir choramingando, sermos amargurados ou medrosos: isso é, sim, decreto de insuperável, triste, solidão.
“O tempo não existe, eu decretei assim”, escrevi certa vez. E confirmo. Depende de nós.