Penso que nos avisos e placas o termo é Achados e Perdidos. Não faz mal, eu quero aqui realçar os achados, que são o bom da vida. E, apesar de tudo, da pandemia, dos horrores, das contradições e contrariedades, da chatice suprema, dos cuidados (sou altíssimo risco...), da saudade de uma vidinha meio normal, e do dinheirinho encolhendo, ainda acredito que se acham coisas boas no fim de tudo.
Tenho pensado em amizades: aquelas boas, de uma vida inteira, que duram apesar de altos e baixos, e nos baixos se fortalecem porque a gente confia um no outro. Porque não sente ciúme nem suspeitas; porque, havendo alguma contrariedade, a gente se explica e acaba dando risada; e porque apesar dos anos, décadas, continuamos por aqui para nos lamentar, para nos divertir, para dividir um vinho branco – cada uma do seu lado do Skype –, para existirmos uma para a outra.
Tem as amizades que estão entre os achados recentes: tenho algumas, não muitas, amizades deliciosas, que são de poucos anos atrás, mas a raiz está lá, no tempo sem, tempo das coisas boas. Se forem mais jovens que eu, melhor ainda, menos chance de perder mais alguém, embora recentemente tenha-se ido a minha amada Lou Borghetti, no esplendor da maturidade, e ainda não me acostumei.
Entre os perdidos: estão esses que se foram pelos corredores do mistério, e só sabemos deles que ainda os amamos e lembramos. Talvez, assim, nunca se tenham de verdade perdido.
Os tempos da infância e juventude com o que tinham de bom, alegre, amoroso, luminoso, nem sei onde os colocaria, porque se perderam no concreto, mas na memória, sempre que procuro, estão logo ali. Aqui. Dentro de mim, então não foram, mesmo perdidos. (Afinal, pouca coisa se perde.)
Todos temos perdidos e achados, e às vezes algo pode ser as duas coisas ao mesmo tempo.
Alguns momentos da infância é bom perder, os castigos, as briguinhas bobas que para uma criança são tragédias, as ausências, como quando o pai viajava a trabalho e eu ficava pela casa feito uma pequena alma penada...
A partida cruel quando aos 11 ou 10 anos me botaram num internato... ótimo, aliás, mas uma antessala do exílio que nunca se apagou em mim com sua sensação de que, ou eu tinha feito algo muito errado sem saber, para merecer aquilo, ou meus pais não me queriam. Onze anos, muita imaginação e um horror de separação justificavam todos os dramas. Por sorte minha e compaixão de meu pai, lá fiquei dois meses e voltei para casa de trem, com o pai, porque havia uma enchente grave a as balsas que ligavam a cidade do colégio à minha estavam paradas. Aquela viagem foi dos grandes, maravilhosos achados da minha vida, e quando por alguma razão fico mais triste, às vezes revivo aquela sensação de que estava salva, acolhida, devolvida. Todos temos perdidos e achados, e às vezes, como nesse episódio do internato, algo pode ser as duas coisas ao mesmo tempo.
Hoje, com essa pandemia, essa peste mundial, essas incertezas, contradições e desequilíbrio entre receio, alívio, ilusão e morbidez, nem sei se estamos perdidos: mas espero que em breve, quando houver alguma normalidade (o que é isso, afinal?), voltemos a nos achar.