Estas são as frases que eu jamais quereria escrever.
Pois vou falar de uma amiga muito especial, um ser humano singular, que personalizava alegria, vitalidade, seriedade na sua arte, melancolia, profundos pensamentos, fraternidade e solidão. Eu a conheci há talvez 10 anos, quando Lisette Guerra perguntou se eu gostaria que Lou retocasse um retrato meu, para uma exposição. Eu não conhecia Lou pessoalmente, mas, muito, de algumas de suas belas obras, e fotos ou entrevistas de jornal, e através de amigos e admiradores.
Ela apareceu em minha casa, trocamos ideias, e imediatamente alguns fios luminosos estabeleceram entre nós uma amizade daquelas da vida para a vida. Uns dois anos depois, sentada em minha sala, contemplando um vaso de vidro azul, barrigudinho, com ramos de buganvílias vermelhas, solferinas, amarelas e brancas colhidas no meu terraço, me veio um daqueles impulsos – minha vida foi em boa parte feita de impulsos. Telefonei para Lou: “Estou olhando umas buganvílias incríveis aqui na minha sala, e me deu vontade de pintar. Podes me ajudar?”. Ela, com sua alegria generosa, logo me acolheu, “claro, vem pro atelier, não traz nada, eu te empresto tudo e depois a gente vê”.
Minha primeira ida ao atelier foi inesquecível. Ali respirava algo totalmente novo, o belo, o sofisticado, o simplésimo, a vida. Logo deparei com uma grande tela numa parede, em tons de preto, branco, cinza, uns vagos azuis, e espontaneamente exclamei: “Mas este é o mar de todo os naufrágios!”. Lou me deu a tela de presente, e eu a contemplo o dia todo na minha sala. Depois disso passei a frequentar o atelier todas as quartas-feiras, aula particular, em que não sei se mais falávamos ou pintávamos: dependia do dia, da hora. Conversas filosóficas ou fúteis, trágicas ou hilárias, cimentando uma amizade irredutível entre uma já velha e outra no esplendor da sua maturidade.
Quando ela adoeceu, e entrou numa luta feroz contra uma doença diabólica, e não se entregou apesar das dores e dificuldades: sempre elegante, maquilada, com seus colares e anéis, cada dia mais debilitada e, parecia, mais corajosa. Difícil acreditar que estava, realmente, nos sendo roubada por uma doença muito agressiva. Nunca se queixou diretamente, apenas lamentava estar mais fraca dia a dia. Teve uma alegria extraordinária, o nascimento de sua neta Helena, que ainda pôde segurar, embalar, curtir, cujo quartinho decorou, e que me dizia ser a maior alegria de sua vida, junto com a filha, Fernanda.
Quando Lou morreu, “a mãe se foi”, me escreveu a filha numa dor que eu mal imagino, não acreditei direito, e mesmo dias depois ainda parece pesadelo. Seu currículo invejável – aulas com os maiores artistas brasileiros, além de Iberê, de quem foi assistente, e que por um breve tempo usou o atelier dela para pintar, sua obra maravilhosa, sua personalidade ímpar, continuarão a preencher nossas vidas. A gente preferia ela viva, com seu perfume Narciso Rodriguez que adotei, com sua voz especial, sua risada linda, sua fraternidade com alunas e amizades, com todo o seu natural esplendor.
Vai ser anjo no céu, Lou Borghetti: cada coloração especial nas nuvens será uma pincelada tua para nos dizer:
“Oi, gente, estou aqui”.