Nada original para a colunista escrever sobre Natal no Natal. Talvez o hábito, ou o desejo de desbanalizar o tema. Ou certa irritação: gente que detesta Natal, que se isola e vai dormir cedo ou toma um porre, briga com a família ou só pensa em desgraça, ou chora pelos Natais da infância. Lista de infinitas chatices.
Acreditar é bom, se for em coisas positivas, que afinal existem.
Já que ele existe, por que não curtir um pouco? Por que achar que datas são armação capitalista para empresas ganharem dinheiro? Ganharão dinheiro se eu permitir, se eu o gastar, sobretudo se me endividar com a festa em lugar de me alegrar com ela. Gente em filas gigantescas ou apavorantes multidões: “Tenho sete filhos mais seis netos mais oito sobrinhos mais...” e a pobre mulher com poucos dentes faz a conta, se atrapalha e, claro, vai gastar o salário, o décimo, as férias, e pagar pelo ano todo o delírio dos presentes.
Gosto de lembrar de coisas da infância, mas sem melancolia. Quase verão: o crepúsculo vermelho eram os fornos do céu onde os anjos preparavam os doces de Natal. E em algum lugar crescia uma árvore miraculosa que logo se multiplicaria em nossas casas. Velas e aquele cheiro de cera derretendo, bolas de mil cores, a música da caixa da avó, velhíssima mas intacta. Presentes misteriosos embaixo da árvore, nada de escolher antes no shopping. Não existia shopping. Existia segredo e encantamento.
Na véspera, ninguém podia entrar na sala, onde lençóis pendurados fechavam como biombos todo um recanto. Na cozinha, os biscoitos em forma de estrela com açúcar colorido em cima; adivinhar os presentes escondidos; gente da família chegando. Vestido novo de organza, sapato de verniz, promessas de me comportar, sim sim sim sim... dali em diante eu seria outra. Prometo ser boazinha prometo ser obediente prometo não responder pra mãe nem botar a língua nem me esconder na hora de dormir nem nem nem.
Por fim, na noite de Natal, um anjo dissimulado atrás dos panos alvos tocava sinetas, retiravam-se as cortinas improvisadas, e era o paraíso. A árvore dos milagres. Nós, em torno, éramos anjos também. A árvore chegava ao teto, pé direito tão alto como se ali em cima houvesse sempre névoa. Girava vagarosa numa pinha de ferro sobre uma caixa de música, uns discos de metal com lasquinhas levantadas. O som metálico em canções natalinas, e nós ali, tomados de beleza. Depois havia abraços e presentes, os adultos tomavam champanha e alguém tocava piano, todos cantavam, as mulheres contentes, porque mães e avós gostam de reunir seus pintos de qualquer idade.
Atrás das portas de vidro que abriam para o jardim, solenes anjos com asas de tule também giravam devagar – parecendo minha mãe numa foto de menina junto daquela árvore, ouvindo a mesma música, com um vestido de muitos tules, parecendo, ela mesma, um anjo contemplativo.
Então, esta senhora que já viveu, leu, aprendeu, curtiu ou sofreu tanto – acredita em Natal? Pois ela acredita em fadas e duendes que de noite cochicham entre as árvores do seu jardim, acreditou em Cegonha até uma idade vergonhosa, acredita em Deus. Acreditar é bom, se for em coisas positivas, que afinal existem.
Que este Natal seja de não ser nem lamuriento nem implicante, mas de acreditar.