Tem a deliciosa história do velho monge medieval que pediu ao mongezinho que o ajudasse a ir até o fundo da imensa biblioteca, pois tinha dificuldade em andar sozinho. Lá chegando, o velho dispensou o moço, dizendo que ia ficar ali pesquisando algo muito importante. Quando precisasse, daria um grito para que o jovem monge, no outro extremo da biblioteca, retornasse. Mas passaram-se duas horas e nada do chamado, de modo que, timidamente, o mongezinho voltou ao fundo da biblioteca, onde encontrou o velhinho batendo a cabeça na parede. "Irmão, o que foi?". "Descobri, só aos 90 anos de idade, que a palavra não era 'celibato', mas 'celebração'". (Em inglês, língua original em que me contaram a história, fica melhor: celibate versus celebrate).
Com todo o respeito, sempre que me lembro da fábula, eu me divirto enternecidamente. Lembrei dela nesta semana de celebração, pensando em quantos de nós ainda param para pensar de verdade na Sexta-Feira Santa, que significava tristeza, luto, quase jejum, só água e peixe para os mais crentes. Para os menos ou nada crentes, era dia de bolinhos de bacalhau desmanchando na boca, reunião da família. (Os mais atrevidos preparavam no quintal uma carninha assada, para mal-estar de muitos). Na minha remota infância, numa família luterana, a Sexta-Feira Santa era, sob comando de minha avó paterna, a devota avó Olga, amada por todos nós, um dia de luto. Não devíamos falar alto, correr, brincar – a não ser quietinhos. Comer pouco (criança um pouquinho mais) e nada que de longe lembrasse carne: nem presunto, nem salsicha, nem galinha. Só um discreto peixe. Sob o olhar de reprovação dela, meu pai ordenava aquela bacalhoada que todos comiam, reverentes.
"Por que a gente tem de ficar triste hoje, vovó?" "Porque é o dia em que Jesus Cristo morreu. E no domingo a gente festeja, porque ele ressuscitou." Meu pai, interrogado sobre esses assuntos, respondia diplomaticamente "Vai falar com sua avó". Cedo aprendi que algumas coisas era melhor não questionar (em geral, mesmo assim eu insistia).
Talvez a gente devesse celebrar mais, em lugar de estarmos sempre nos queixando. Além de Natal, aniversários, casamentos, formaturas, celebrar, por exemplo, de repente a família estar reunida, ou termos encontrado velhos conhecidos. Celebrar, lá no fundo do coração, o fato que parece tão corriqueiro – e não é –, como acordar saudáveis, vidinha meio organizada, manhã ensolarada, ou, para os que preferem como eu, o fantástico rumor da chuva. Celebrar que os amados estão bem, ou razoavelmente bem, apesar das inseguranças no mundo e dos espantosos fatos por aqui. Celebrar a orquídea do ano passado que deu outra vez flores lindas! Celebrar que amigos queridos continuam nossos amigos, então eram amizades verdadeiras.
Celebrar um belíssimo livro que estamos lendo, uma música sublime (sim, música pode ser sublime), ou as paineiras em flor que se espalham logo ali sobre as outras árvores feito sorvete de morango derretendo neste calor. Celebrar sem grandes luxos, apenas respirando fundo e sentindo-nos bem. Há quem, de vez em quando, abra sem avisar um espumante com a família para celebrar: "O que a gente está celebrando hoje?" "Nada, ora".
Então celebremos: a Páscoa, as amizades fiéis, os amores bons, a saúde, o sol, a chuva, o trabalho, ou simplesmente, no meio de toda a confusão, a claridade de alguma esperança.