Nessas datas como Natal, virada de ano e outras, muitos têm olhos mais brilhantes e se sentem mais contentes – ou porque sua crença religiosa lhes confere isso, ou porque vão reunir pessoas amadas, talvez a família ou parte dela que esteja acessível, porque vão dar uma lembrança especial ao seu amor, ou simplesmente porque não dá para viver sempre angustiado.
Nessas datas, eu às vezes decido não escrever sobre elas. Mas acabo escrevendo. Bobagem minha, porque sempre há o que partilhar, ainda que sejam dúvidas. Por que, por exemplo, considerar datas especiais como farsa porque às vezes aproximam pessoas que nem se gostam, ou desculpam em tantas o frenesi do consumo que as deixa endividadas por todo o ano seguinte?
Essas datas não precisam ser festivais de consumismo, especialmente nesta fase de empobrecimento de quase todo mundo. Mesmo quem há alguns meses podia viver sem preocupação (desde que não cometesse excentricidades), é hora de calcular, encolher, recolher grandes impulsos. Passamos dos generosos presentes, dados e recebidos, às "lembranças" – não menos amorosas, pois revelam: "Não posso mais tanto, mas ainda posso te mostrar, lembrar o quanto és especial para mim".
Essas datas podem ser aprendizado de economia e de afeto. Aprendemos no bolso e no coração que dinheiro não é tudo. É importante fator de segurança, dignidade e liberdade, mas tudo bastante relativo: não nos confere nenhuma nobreza, nem direitos, nem grandeza, nem, menos ainda, isso que chamamos felicidade. Acredito que muitas pessoas bem modestas têm mais chance de se sentirem amadas, acompanhadas, contentes: porque a união as mantém de pé, porque a proximidade, que de um lado propicia mais conflitos, de outro garante abraço e escuta ou um prato de comida compartilhado.
Talvez as épocas de mais penúria sejam boas para nos ajudar a reavaliar isso que chamamos "valores", palavra que tantos pronunciam de boca cheia e coração vazio, cabeça mais ainda. O que mais vale? O carrão novo ou o filho encaminhado na vida, decente e ainda entusiasmado? O resort nas Bahamas ou poder pagar as prestações da casa modesta mas nossa, e aconchegante? Ganhar na Mega Sena ou recuperar a saúde que parecia perdida? Reencontrar o amigo que se afastou (e nem sabemos por quê), ver emoção brilhando nos olhos das pessoas queridas, só porque estamos juntos, esquecendo por algumas horas as rivalidades, as infantilidades, os mal-entendidos e os desentendimentos – e porque afinal ainda estamos aqui, firmes e atentos?
Gosto dessas datas que muitos dizem detestar: aquele telefonema, aquele recado na internet, aquela visita inesperada, aquela boa conversa frente a frente, lado a lado (se filhos ou netos, parece que ontem ainda estavam em nosso colo, mas passam o braço em nossos ombros, nós menores que ele ou ela). Se parceiro ou parceira, renova-se o calor de um afeto talvez antigo.
Essas datas são ainda mais especiais em tempos preocupantes aqui e pelo mundo. Que o Natal nos dê conforto, calor na alma, renovadas risadas, conversas jogadas fora, simples alegria de escutarmos nossas mútuas vozes, e olharmos nos olhos uns dos outros – ou, para quem estiver muito, muito longe, esse telefonema em que se brinca, pra disfarçar na voz a mal contida emoção.