A velocidade da história vai deixando um rastro de perdidos, de derrotados, entre pessoas, coisas, valores e costumes. Não é de agora o processo, mas neste momento — o momento da geração que respira sobre a casca do planeta — parece que a velocidade aumentou. A inteligência artificial talvez seja o novo nome do acelerador.
(Se bem que eu sempre lembro do Camões, que lá por 1570 escreveu aquele sábio soneto que começa com o verso "Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades" e termina com uma frase ao mesmo tempo enigmática e precisa: diz ele que, além das mudanças continuadas, há outra alteração significativa — que a vida não muda agora como costumava mudar, do jeito antigo: o ritmo da mudança também mudou. Já em 1570 a sensação era de uma aceleração inédita.)
Em Arrabaldes (editora Metamorfose), Nelson Ribas oferece uma série de pequenos retratos do processo. Pequenos proprietários, trabalhadores sem-terra nem horizonte, assim como extraviados urbanos, e não apenas os miseráveis, uma corrente de figuras vive nesses arrabaldes, cujo centro está longe deles, em algum outro lugar.
Uma vez li uma descrição perfeita para o domingo à tarde: é quando a gente tem certeza que alguma coisa muito boa está acontecendo, mas não é onde estamos. Estar num desses arrabaldes é parecido: a verdadeira vida, aquela cheia de sentido, está sempre noutra parte. Nos breves e melancólicos contos do livro, é sempre assim.
E tem Arrabalde — Em Busca da Amazônia (Companhia das Letras). Nele, João Moreira Salles postula outra escala para a mesma distinção: para ele, a Amazônia é um arrabalde, mas do mundo todo, e não apenas de uma simples cidade, por maior que seja.
Exatamente a Amazônia: aquele mundo que produz 20% da água do planeta, que já foi visto como inferno verde e como pulmão do mundo. O bioma já mudou: diz o livro que 20% já são outra coisa (desses, 15% lavoura, 85% pasto). E muitas dessas terras devastadas já estão abandonadas.
João Moreira Salles se interessou em viver a experiência por dentro, e passou vários meses vivendo lá, para viver na pele o misto de fascínio e desencanto que têm sido os extremos do gradiente das percepções de gente de fora, como nós.
Tem diagnósticos precisos, reflexão serena e mesmo sugestões de ação, tudo armado em textos fluentes, ao mesmo tempo agradáveis de ler, estimulantes da imaginação e um tanto aterrorizantes pela força do diagnóstico.