Dá pra brincar de lembrar com quantos Borges se fez a cultura deste canto do planeta. Três, no mínimo: o de Medeiros, líder autoritário e de visão limitada, que esteve no mando do Estado por inacreditáveis 30 anos (entre 1898 e 1928, quase sempre como presidente da província, o atual cargo de governador), que quando menos foi objeto de uma sátira de grande fôlego, o Antônio Chimango, de Ramiro Barcellos, publicada como peça política em 1915, com efeitos duradouros.
Tem um vizinho, o Jorge Luis Borges, portenho, que nada teve de ufanista e pelo contrário foi um ironista de primeira linha. Sua contribuição para empurrar a linha do horizonte cultural para diante é incalculável, seja em inventividade na mistura entre fatos e ficção, seja na abordagem originalíssima do material gauchesco.
E tem o Luiz Carlos Borges, músico, compositor, figura de líder de geração, falecido esses dias aos 70 anos. Sua obra se conta em algumas centenas de canções, creio que nenhuma de sucesso estridente, daqueles de estar no topo do que antigamente se chamava de parada de sucesso (os rankings de mais vendidas, no tempo do disco, ou de mais pedidas, nas rádios). Mas ele tem, como qualquer um pode aferir nos spotifies da vida, um amplo conjunto de canções sensacionais.
Foi conhecido por seus chamamés, este gênero que se pode chamar de fronteiriço mas apenas por conforto atual, porque se trata de um gênero, ao que tudo indica, nascido no coração de uma outra formação cultural da redondeza, o mundo das Missões, em cujo tempo e espaço a ideia de fronteira é que era artificial. (Tem até um caso de compositor de nossos dias, Alejandro Brittes, que postula uma relação direta entre o chamamé e a música barroca. Vale a pena conferir.) Fez também vaneras e vanerões, milongas, rancheiras, todo um lindo mundo sonoro que fica disponível para quem tiver ouvidos.
Esteve aliás entre os que ajudaram decisivamente ao reconhecimento do chamamé como patrimônio imaterial da humanidade, pela Unesco. (Confira um Sarau Elétrico com ele em torno dessa consagração, de 26 de janeiro de 2021.) E musicou letristas especiais, de imenso, ainda que nem sempre reconhecido, valor. Menciono dois que me falam à alma mais diretamente: Aparício Silva Rillo e Sérgio Jacaré Metz. Tem uma funda sabedoria humana embutida nessas parcerias.