Não sei se alguma outra vez eu fiquei tão entusiasmado com as exposições do Farol Santander (ex-Santander Cultural) quanto agora. Estão em cartaz duas mostras que nada têm em comum, salvo a excelente qualidade, mas as duas dignas da maior atenção.
Começo pela que está no mezanino (e em megacubos diante do prédio). Ali estão azulejos, desenhos, pinturas e dados de Athos Bulcão. Seu estilo é conhecido de muitíssima gente, mesmo que apenas poucos associem uma coisa e outra de modo imediato. Sua obra enfeita prédios importantes em Brasília, como o Congresso, e são uma alegria para os olhos – padrões geométricos que se repetem com variações criativas pelas paredes, fazendo o olho acomodar-se, curioso e acolhido com gentileza, na viagem que ali se proporciona.
No térreo está a mais significativa e rigorosamente imperdível: Lupi – Pode Entrar que a Casa é Tua, com produção e realização da Prana Filmes. Lupicínio Rodrigues, quase nem precisava dizer, é um dos não muito numerosos monumentos da cultura brasileira nascidos em Porto Alegre – é um caso único no campo da canção popular em sua geração: ele viveu entre 1914 e 1974, na mesma leva de gente como Noel Rosa, Braguinha, Geraldo Pereira, Luiz Gonzaga, um grupo simplesmente fenomenal.
Sambista, fixou um estilo reconhecível à primeira audição, com seus sambas lentos dedicados ao que se chamou de “dor de cotovelo” – um tema que aliás é mais frequente no tango do que no samba, e isso já sugere uma boa conversa sobre ser ele de Porto Alegre, essa terra que fica a meio caminho entre o Prata e o Rio de Janeiro.
Mas a exposição é que é. Ela tem um forte aspecto documental, com objetos que pertenceram a ele, capas de discos, fotos, reprodução de algumas de suas gravações primeiras, linha do tempo, uma criativa lista de cantores que gravaram suas músicas, etc., mas é mais que isso, porque tem aquela virtude imersiva que a tecnologia moderna proporciona como experiência sensorial. E reserva ainda uma sessão de regravações criativas de algumas de suas pérolas.
Resulta que o homenageado ao mesmo tempo é um testemunho do passado e uma figura ativa no presente. E olha que mexer com ele envolve riscos, uma vez conhecida sua visão masculina e não raro machista sobre os relacionamentos, questão que a exposição não evitou e, pelo contrário, tratou de modo crítico inteligente.