Foi-se o tempo da censura. (Escrevo a frase e paro um pouco: de fato, há mais de 30 anos acabou a censura, prévia ou não, na imprensa brasileira, em sua encarnação mais recente, espero que a derradeira). Quem viveu aqueles tempos antes da redemocratização lembra que jornalistas, escritores, cancionistas, dramaturgos, entre outros, precisavam submeter-se ao arbítrio do censor.
Mas não é apenas a censura explícita que silencia vozes. Há os bloqueios econômicos, assim como há os processos de consagração e cancelamento operantes em toda parte, configurando o cânone da área.
De que se trata aqui: estamos falando de um excelente livro de jornalismo, uma reportagem que retrata a longa e impressionante trajetória de uma jornalista que perdeu a voz, por assim dizer – o livro se chama mesmo Jurema Finamour – A Jornalista Silenciada (editora Libretos). A autora é a jornalista Christa Berger, que mergulhou na sombra para trazer notícias sobre sua colega.
Christa tinha na memória de jovem a leitura de um livro de Jurema. Retomando esse resto de lembrança agora na maturidade, pôs-se a recuperar tudo que podia sobre ela. E foi tendo surpresa sobre surpresa ao perceber sua vasta carreira, com vários livros e incontáveis textos para uma ampla gama de revistas e jornais, entre o final dos anos 1930 (ela nasceu em 1919) e os anos 1970 (ela faleceu em 1996!), contrastando com o total silêncio que caiu sobre ela.
Jurema ressurge desse esquecimento pelas mãos hábeis de Christa Berger, que vai pacienciosamente recompondo cenários, momentos, relações, leituras para dar um retrato muito sensível de uma – aqui outra chave, certamente – de uma mulher, de outra mulher silenciada.
Uma hipótese não desprezível desse esquecimento pisa na fronteira da censura política: tendo sido muito próxima das posições do Partido Comunista – partido que foi uma espécie de segunda nacionalidade de muitos artistas e intelectuais daquela geração –, Jurema relatou por escrito o que sabia sobre Neruda, o ícone da esquerda comunista da América Latina toda, um sujeito que ela enxergou com lentes claras, que mostraram lados nada charmosos.
Mas ela foi muito mais que isso. Viajou o planeta quando muito pouca gente o fazia, incluindo União Soviética, Cuba e China, assim como muitos países americanos e europeus. Uma figura que por certo merecia ter sido lida pelas gerações afora. Uma figura que o trabalho de Christa Berger repõe em circulação com os melhores cuidados.