Tirando as pessoas indispostas para a leitura de qualquer coisa que se ligue com o PT – o antipetismo é uma força política intrigante como fenômeno social –, imagino que qualquer brasileiro se interesse por entender os processos históricos de longa duração que definem nosso presente. A história do PT é um desses casos, e encontrou um analista fino em Celso Rocha de Barros, autor de PT, uma História (Companhia das Letras).
O autor tem publicado excelentes artigos de análise política na Folha de S. Paulo, já há um bom tempo, e encara neste livro uma tarefa complexa, com resultado excelente: numa linguagem precisa, com algum humor a quebrar a circunspecção de um doutor em Sociologia, o livro repassa um veio forte da história brasileira desde meio século até hoje.
O PT tem singularidades notáveis, como prova agora a nova eleição de Lula, figura que se confunde, até aqui, com o partido, que aliás tem como uma das fragilidades justamente o volume de centralidade de Lula na vida do partido. Aqui no sul, sabemos bem que na mesma geração cronológica dele se apresentaram lideranças de grande qualidade, como Olívio, Tarso e Raul Pont, entre outros, nenhum dos quais, porém, logrou crescer a ponto de se configurar como alternativa a ele.
Mas o ponto central do livro não é o exame dessa centralidade, e sim o longo processo de gestação, construção e vida ativa do partido. À diferença de todos os demais, o PT nasce dos movimentos sociais, motivo até agora de sua energia. Por outra parte, o partido resulta da pororoca histórica dos estertores da Guerra Fria e do fim da União Soviética chocando-se com a impressionante voga da mundialização dos mercados pela via digital.
Incontáveis correntes de esquerda, cada qual com suas crenças e singularidades, marcaram encontro numa esquina nova, para a qual não tinham uma abordagem pronta. E precisaram negociar com movimento sindical organizado, de operários e funcionários, em maré montante, assim como de forças novas, os ecologistas, o Movimento dos Sem-Terra, os grupos identitários “pós-materialistas”, quer dizer, mulheres, negros, indígenas, mundo LGBT etc.
O livro se baseia em documentação primária, como publicações do partido, jornais e revistas de época, à qual agrega entrevista com dezenas de protagonistas desse processo, vindo dos anos 1960 até alcançar os dias de hoje – quer dizer, de ontem, antes da mais recente eleição federal. Simpático às posições de centro-esquerda iluminista, o livro me parece essencial para pensar o país, agora e para a frente.