Fui acordado para o prazo pela Folha de S.Paulo, em reportagem desses dias: daqui a dois dias começa junho e se cumprem 10 anos das famosas, confusas, fatais Jornadas de Junho, lá em 2013. Lembra? Com o perdão do adjetivo, um fenômeno canceroso, que se alastrou de modo descontrolado pelas cidades brasileiras, tendo começado por protestos contra a elevação da passagem de ônibus.
Estive em uma ou duas, já com espírito de observador, tentando decifrar aquele enigma. Como era possível passeatas fortes sem liderança, sem qualquer unidade, sem roteiro, sem palavras de ordem coletivas? E como era possível tanta gente tão díspar cerrar fileiras pelas ruas – muitas vezes acabando com pura e simples baderna e mesmo bandidagem? Eu perguntava para participantes, jovens e não jovens, sobre os rumos e os sentidos de sua participação, e as respostas eram individuais e mesmo individualistas. Eram como que autopasseatas simultâneas, micropasseatas múltiplas andando ao mesmo tempo pelas mesmas ruas, algo inimaginável para a minha geração.
(No Estado, era governador o Tarso Genro, que produziu reuniões públicas para debater o fenômeno, que ninguém entendia direito mas todo mundo sentia.)
Os 10 anos de lá para cá tiveram de tudo: a Copa de 2014, suas obras e protestos (e o 7 x 1 vergonhoso); a reeleição da Dilma e seu impeachment; o governo regressivo e acuado de Temer; a Lava-Jato e a prisão de Lula; eleição do inesperado (e desalmado) Bolsonaro; a Vaza-Jato; a eleição de uma imensa quantidade de políticos autoritários, de extrema direita; a explicitação do racismo e a luta aberta contra ele. Sem contar a pandemia, que não pode ser posta na mesma conta mas agravou tudo.
E mais as redes sociais. O Orkut, pioneiro, primeira rede social de impacto, criado em 2004, vinha perdendo terreno desde 2007 – mal consegui me inscrever, já um senhor quando ela apareceu, sem saber como tirar graça daquilo – quando o Facebook entrou em ação, tornando-se a maior rede no Brasil em 2013 – e com o Instagram já em cena desde 2010. Os smartphones da Apple entraram no país em 2007 e em 2013 estavam já na mão da classe média toda. A imprensa profissional, desnorteada, perdia força; esquerda e direita tradicionais trocando as pernas.
A conta geracional: somando FHC duas vezes, Lula outras duas e Dilma até ali, estamos falando de uns 20 anos, o prazo de uma geração na história, o tempo em que a memória vivida perde viço e se esfumaça. Em 2013, uma juventude que só tinha vivido sob governos progressistas, interessados no desenvolvimento com redução da desigualdade, essa juventude achava pouco o que havia. E foi o combustível do destampamento das caldeiras da direita raivosa.