“Pai, suas histórias são esquisitas. Tem quem goste?”
Eu gostei, muito. Mas devo dizer que os dois livros requereram duas leituras. Duas, inteiras.
Na primeira vez, provavelmente por influência errada do título — Porto Alegre: Guia Improvável de Lugares Inúteis —, eu não encontrei o que parecia que o livro ofereceria. O título do segundo livro também não ajudou: A Casa Azul: Porto Alegre, Segunda Parte, os dois pela editora Faria e Silva, de SP. Algo estava errado.
Ah, mas o bom de ser leitor é poder voltar à cena do crime impunemente. Sem ninguém saber, lá estive e repassei quadro por quadro, desenho por desenho, texto por texto.
E o que aconteceu foi um desses milagres inaudíveis e relativamente inúteis: encontrei o que era para ser encontrado. E que era o seguinte: um acerto de contas de um homem com sua memória e com seu futuro.
O autor desses dois sensacionais livros se assina Guazzelli e tem como prenome Eloar. Muitos o referem como Alemão Guazzelli; ele é filho de um advogado e militante de esquerda silenciosamente famoso durante a ditadura militar no Estado, também Eloar Guazzelli, uma referência na luta com prisões arbitrárias e outras barbaridades daquele tempo.
Me enredei? Sim, mas peço vênia — é exatamente assim o fluxo narrativo dos livros que acabei de reler para poder ler. Um fluxo que parece desgovernado, mas que tem um fio condutor preciso: o protagonista do enredo, cujo rosto nunca aparece, é um pai, oriundo de Porto Alegre e residente em São Paulo, que junta a família e vem de carro até o Sul para um evento de luto, a dispersão das cinzas de sua mãe no mar de Atlântida.
Os desenhos têm a mesma reconhecida qualidade de sempre, uma beleza seca, realista sendo alusiva, de vez em quando desesperada (desesperançada?), e os textos são precisos, narrando fatos e estados de alma sem nenhuma apelação sentimental mas com densidade, ia dizer trágica, mas talvez seja daquela modalidade lírica rara de encontrar, que não tem medo de mergulhos subjetivos nem de associações inesperadas entre passado, presente e futuro.
Um impressionante livro de memória, numa viagem incerta, dura e bela.