Bem, a palavra é essa mesma, um processo. É algo que fazemos a muitas mãos, com muitas pessoas boas ao lado ajudando, diretoria, parceiros, aplicando gestão, profissionalismo e resultado esportivo. Porque esses saltos financeiros ocorrem também pelos resultados esportivos. Quando se sobe de divisão, se passa a ter melhores campanhas em competições que premiam bem, e a revelar e vender jogadores, o cenário muda.
O orçamento de 2017 do Fortaleza era numa série C, uma divisão que não tem cota de TV, sem grandes atrativos. À medida em que vamos à Série B, no outro ano já tem cota de TV. Quando chega à Série A, em 2019, já tem uma cota substancialmente melhor.
Em 2020, vai à Sul-Americana e entra uma receita a mais. Em paralelo, há a Copa do Brasil com melhores times e melhores performances.
O clube evolui nesses processos. Os patrocínios no futebol brasileiro também cresceram. Conseguiu ampliar muito a receita no quadro social. Em 2017 eram 7,5 mil sócios. Hoje, são quase 40 mil e já chegam a ter 45 mil no ano da Libertadores. São diversos passos para criar dinheiro novo.
Entrevista com Marcelo Paz, CEO do Fortaleza
Marcelo Paz é principal cabeça responsável pelo maior case de crescimento do futebol brasileiro nos últimos anos. Em 2017, ele assumiu um Fortaleza que havia batido na trave três vezes no jogo do acesso à Série B e com orçamento de R$ 24 milhões.
Fechou 2023 com um clube de orçamento 15 vezes maior, vice da Sul-Americana, afirmado na Série A e convertido em um modelo de SAF particular, em que o investidor sabe que será minoritário.
Naquele ano, o Fortaleza ganhou a Copa do Nordeste, é vice-líder do Brasileirão e se prepara para as quartas da Sula, alicerçado em um trabalho de longo prazo de um técnico argentino garimpado no mercado porque tinha o perfil do clube e história em times emergentes.
Enquanto colhe os frutos da boa gestão no campo, Paz, agora CEO da SAF do clube, espera os investidores para fazer seu Leão rugir ainda mais alto. Na quarta-feira (11), horas antes de enfrentar o Inter, ele conversou com a coluna, numa mesa do restaurante do Hotel Hilton, onde a delegação estava hospedada.
Confira a nossa conversa de 30 minutos que versou da transformação do clube, de Juan Pablo Vojvoda e das chances de uma futura liga de clubes, já que ele é líder da LFU. Mais do que entrevista, aqui está uma boa aula de gestão. Recorde e guarde.
O senhor pode dar exemplo desse dinheiro novo criado?
Buscamos criar novas fontes de receita com muito profissionalismo, de preferência fontes perenes, como sócios-torcedores, as lojas do clube, que quando nós assumimos tinha um faturamento anual de R$ 600 mil e quando nós repassamos a operação para uma grande empresa foi com faturamento de R$ 30 milhões. Com a mesma massa de torcedores, ampliamos esse varejo. São ações coordenadas, profissionais e, volto a dizer, com muita gente boa ao lado. Cada um desses processos com profissionais competentes dentro do clube, que cuidam da operação de jogo, da operação de lojas, do licenciamento de marca, venda de direitos. Isso fez com que o clube crescesse, mas acima de tudo, o que puxa isso é o resultado de campo. É ele que faz com se tenha sucesso maior.
Mas, como disse o Ferrán Soriano, a bola não entra por acaso. Como era a profissionalização em 2017 e que grau de profissionalização se atingiu até a aprovação da SAF, em 2023?
É bem diferente. Passamos, primeiro, a adotar planejamento estratégico. Assim que assumi, um dos primeiros passos foi contratar uma consultoria e fazer um planejamento estratégico no clube, traçar metas e objetivos em cada uma das diretorias, não é só o futebol que tem que entregar a meta, é a loja, o sócio-torcedor, o patrimônio, o financeiro, o jurídico, o recursos humanos, a contabilidade, todo mundo tem objetivos a serem entregues dentro da sua pasta.
Esses objetivos são definidos em comum dentro de uma reunião de workshop no planejamento estratégico no começo da temporada e são checados ao longo do ano. Não basta traçar os objetivos, dizer que fez o planejamento, guardar na gaveta e não acompanhar. Tem que checar periodicamente as diversas ações, se estão em andamento, se não começou, se já concluiu e, no final do ano, fazer uma avaliação geral do que foi planejado e uma avaliação também dos profissionais, o que chamamos de avaliação 360 graus, em que cada um avalia todos os seus colegas, diretores e presidência.
Isso no modelo anterior a SAF. O planejamento estratégico é básico, metas e objetivos são fundamentais. Outro passo importante que nós demos a partir de 2019 foi a remuneração da diretoria, toda a diretoria é remunerada. É algo ainda raro no Brasil, poucos clubes adotam isso. Lá está plenamente consolidado, entendemos que quem gera resultado e recursos para o clube é justo que seja remunerado. Isso funciona no Fortaleza, é um passo também do profissionalismo.
Quantos seriam esses diretores remunerados?
No modelo pré-SAF, eram 16 pessoas, presidente, dois vice-presidentes e 13 diretores. Abaixo deles, estão os executivos de mercado. De acordo com a área, tem um ou dois executivos, gerentes.
Dentro desse processo de crescer financeiramente e desportivamente, também tem muito ganho estrutural. A estrutura retém talentos.
MARCELO PAZ, CEO DO FORTALEZA
O dinheiro ganho pelo clube é reinvestido no clube de que forma?
O dinheiro é todo reinvestido no clube, nesse período a gente reformou campo com drenagem, com irrigação automática, com novo gramado, fizemos academia, vestiário, setor de recuperação, piscina coberta aquecida, rouparia, hotel, refeitório ampliado quase três vezes, sala de departamento de análise de desempenho, sala nova do treinador, sala do departamento de futebol.
Tudo isso foi feito dentro da nossa sede nesse período. Além do investimento também na base, que ganhou campo sintético, melhoria nos próprios gramados, ampliou refeitório, alojamento, academia, estrutura de recebimento dos pais. Dentro desse processo de crescer financeiramente e desportivamente, também tem muito ganho estrutural. A estrutura retém talentos. Investimos em software para análise de desempenho, controle de carga de trabalho dos atletas. Tudo isso são fatores com os quais trabalhamos com o crescimento do clube.
Para discriminar, no CT do Pici, quantos campos, hotel para quantos atletas?
No Pici, ele tem, digamos, um campo e meio. Tem um campo principal e uma área de gramado anexa, em que se faz o aquecimento, o trabalho de goleiros. Para o futebol profissional é suficiente. No hotel, nós temos vaga para aproximadamente 30 atletas. Nosso próximo passo é transformar em quartos individuais. Hoje, são duplos. Queremos que cada jogador tenha seu apartamento no Pici, para que ele tenha cada vez mais sentimento de pertencimento.
Conversamos na época da venda do Everton Cebolinha, e você me disse que parte do dinheiro dessa transação seria aplicado no CT.
A base fica na cidade de Maracanaú, que é a vizinhança da Fortaleza e cidade natal do Everton Cebolinha, que tem identificação muito grande com o clube, é torcedor da Fortaleza. O pai, o avô e a família toda seriam nossos torcedores também. O dinheiro da venda dele não foi todo para a base, parte foi usado para pagar ainda algumas dívidas, inclusive com um ex-presidente que aportou um valor no clube, numa época muito importante, para uma necessidade do clube.
Ficou como garantia esse pagamento e tivemos a graça de poder honrar isso. O que sobrou para o clube foi aplicado no dia a dia e também no CT de Maracanaú. Em resumo, temos duas estruturas, o Pici, onde fica o profissional, e Maracanaú, onde ficam a base e o futebol feminino.
Em Maracanaú são quantos campos?
São cinco campos e mais dois campos auxiliares, uma academia, que é maior até do que a do Pici, porque abrange mais gente e alojamento para até 90 atletas. Não que fiquem alojados os 90, mas tem espaço porque há atletas em avaliação e outros que de fato já moram lá. Também temos um refeitório muito grande. Há mais área para crescimento no terreno para expansão.
O Fortaleza é o clube que mais joga no Brasil. Foi o que mais jogou no mundo no ano passado, 78 jogos.
MARCELO PAZ, CEO DO FORTALEZA
Um levantamento do UOL apontou que o Fortaleza deu duas voltas ao mundo e dará a terceira até a final do campeonato, sem contar a Copa Sul-Americana. Houve investimento em tecnologia para acelerar a recuperação dos jogadores. De que forma foi isso?
Estamos na ponta extrema, assim como vocês aqui no Sul, mas ainda viajamos um pouco mais. Vocês têm mais equipes próximas, voos mais curtos, como Curitiba e São Paulo. Caxias, vocês fazem de ônibus. Os nossos voos são mais longos. Sei que os times gaúchos também sofrem por isso, o Juventude, em especial, mais ainda. Tem um trabalho muito grande integrado da coordenação de preparação física com fisiologia, controle de carga de trabalho, minutagem. O Fortaleza é o clube que mais joga no Brasil. Foi o que mais jogou no mundo no ano passado, 78 jogos. Controlamos a minutagem dos atletas. Desde o começo do ano, rodamos o time. O torcedor hoje entende isso, antes ele não entendia, queria aquela onzena que você sabe quem começa sempre O Vojvoda já conseguiu mudar esse conceito na cabeça do torcedor e isso se reflete ao longo da temporada.
Houve mudança com relação a voos fretados também, certo?
Também sofremos com lesão, perde-se atleta em algum momento. Mas o controle de carga que é feito pela fisiologia, com o software de controle, como um todo, é a carga de trabalho, a quantidade de sprints, a fadiga. Fazemos a prevenção pré-treino, é a prevenção de tirar um atleta de um determinado jogo que tem um risco alto de lesão. Temos investido muito em treinar cada vez mais no Pici.
Em 2023, fazíamos mais as viagens longas dois dias antes do jogo, para chegar à cidade, se aclimatar, treinar na véspera. Diminuímos isso, entendemos que é dentro do Pici que temos nossas condições de trabalho, tanto estrutural quanto de ambiente e pessoas. Falamos de estrutura física, de software, de tecnologia e ciência. Mas temos psicólogo, nutricionista, preparadores físicos, analista de desempenho, cozinheiro, chefe de cozinha, tudo isso são pessoas que dão suporte ao atleta profissional, fazem com que esse ambiente esteja cada vez mais controlado e mais preparado para prevenir lesão e melhorar a performance.
Ele (Vojvoda) já viu nessa caminhada de quatro temporadas que estamos juntos. Nos momentos difíceis nos ajudamos, nos protegemos, sentamos olho no olho
MARCELO PAZ, CEO DO FORTALEZA
O Juan Pablo Vojvoda completa em outubro três anos e meio no cargo. Como foi essa decisão de mantê-lo mesmo nos momentos de crise?
Primeiro, temos uma relação muito franca e honesta de trabalho profissional. Ela é testada principalmente nesses momentos difíceis, porque nessa hora geralmente há a pressão externa. O dirigente tinha a expectativa de um título, de algo a mais, e é pressionado, cobrado. Às vezes, não é nem a tomada da decisão, mas a mudança de comportamento na hora que perde, fecha a cara, não dá o mesmo apoio, não está presente da mesma maneira. Não mudamos a forma de trabalhar ganhando ou perdendo. Claro, quando está ganhando é muito melhor, Mas, quando está perdendo, naturalmente, você fica um pouco mais chateado, preocupado.
Ele (Vojvoda) já viu nessa caminhada de quatro temporadas que estamos juntos. Nos momentos difíceis nos ajudamos, nos protegemos, sentamos olho no olho e colocamos o que tinha de ser colocado. Sempre com muito respeito. Assim, conseguimos sair das situações difíceis. Creio que isso dê certa estabilidade para ele, de saber que estamos conscientes dos altos e baixos ao longo da temporada. Neste ano mesmo, tivemos momentos complicados e soubemos sair. Isso tem muito peso. Além de cumprir com tudo que é combinado. Não falo só do ponto de vista financeiro, mas também do estrutural.
Por exemplo?
Casos como: "Olha, a gente pretende fazer essa melhoria estrutural aqui". Entregamos a melhoria. Olha, a gente pretende trabalhar com esse perfil de jogador". Buscamos entregar. "Olha, alguns atletas, eu acho que devem terminar o ciclo". A diretoria trabalha para terminar o ciclo. Tudo isso é combinado e feito. Ele sabe que tem esse compromisso da diretoria para entregar a ele o melhor possível para que desenvolva um bom trabalho.
Eu li a respeito disso que você estava desenvolvendo um modo fortaleza de jogar, buscando históricos do clube, ouvindo, tentando construir um DNA de futebol. Isso ajudou quanto na escolha do técnico e na hora de ir ao mercado contratar?
Sem dúvida que ajuda. Buscamos um espírito de jogo, de um clube que é agressivo, busca o gol, a vitória. Você pode fazer isso jogando com três zagueiros e dois alas, você pode fazer isso jogando com três atacantes ou jogando como o Rogério Ceni jogava, com volantes e quatro atacantes, dois pelo lado e dois por dentro. Acho que a gente não tem de cravar um modelo específico, mas uma filosofia, uma ideia de jogo. Facilita para que se busque um treinador nesse perfil. Quando a gente foi buscar um, em 2021, queria esse perfil. Facilita também para que se tenha atletas com esse perfil. Sabemos que tipo de atleta tem a maior probabilidade de dar certo aqui. Às vezes, se tem um atleta muito talentoso, de determinada posição do campo, mas que não vai cumprir questões táticas que o modelo pede. Esse atleta não vai servir para o Fortaleza.
Entrando na questão da SAF, o senhor faz um trabalho brilhante no comando do clube, cria a SAF e o senhor hoje é o CEO. O quanto o controle do ambiente político colaborou para esse processo da SAF?
Em qualquer clube de futebol do Brasil que queira fazer qualquer mudança, o cenário político tem influência muito grande. Não dá para fazer mudanças, sejam quais forem, como comprar um prédio novo, vender um espaço ou tudo que mexe com o estatuto, sem que a questão política esteja bem ajustada. Quando você tem muita briga política, se atrapalha. É ruim para qualquer clube de futebol. O cenário político precisa, de certa forma, estar pacificado, com diálogo, pensando na instituição.
Como se deu o processo da SAF no Fortaleza?
O processo passou por todo o processo político, respeitou os ritos estatutários. Fizemos várias plenárias com os torcedores, para explicar o que era o processo da SAF. Foram plenárias presenciais e online, para ouvir todo mundo. Fizemos em dias diferentes, para ninguém dizer que não pôde participar e para que o processo fosse amplamente discutido. Correu-se os itens estatutários de votações, a Assembleia do Conselho Deliberativo, depois a Assembleia Geral de Sócios.
Tudo isso foi devidamente aprovado, com percentuais altíssimos, porque não basta aprovar. Acho que aprovar com percentual alto dá mais legitimidade, Em nosso caso, foram 94% de aprovação, e o clube se tornou uma SAF de forma consciente, com a participação de todos os seus órgãos, do quadro de sócios do clube, dos sócios-torcedores, que votam também lá no Fortaleza, assim como aqui no Rio Grande do Sul. A aprovação foi precedida de todo o trâmite normal, sempre no objetivo de dar um passo a mais ema nível de gestão.
Como o senhor vê a SAF?
Entendemos que esse modelo é mais moderno, atrai a possibilidade de investidores, de um crédito mais barato quando se necessita, e o clube de futebol precisa de crédito para fluxo de caixa, para movimentação. O lado político sem dúvida ajudou nesse aspecto, mas ajudou porque houve diálogo, foi conversado, foi mostrado para que se tomasse uma decisão. Não foi nada imposto, não foi nada camuflado. Foi tudo muito claro. As plenárias estão aí inclusive ainda, na nossa TV Leão. Está lá tudo o que foi falado.
Tenho pra mim, presidente, me corrija se eu estiver errado, a primeira onda da SAF foi o que chamo de desesperados. Era isso ou falência. Chegou o segundo momento, de clubes mais constituídos, mais estabelecidos, como Bahia, que foram ao mercado buscar o seu parceiro Vejo Fortaleza e o Athlético-PR como uma terceira onda, da SAF com controle do clube.
Acho que, antes, tem um outro movimento que já aconteceu no Brasil também com relação a SAF, que é a revenda. O Cruzeiro já fez a revenda. Virou SAF, no que você caracterizou de desesperados, que eram os que estavam, e eu concordo com esse termo, em dificuldade financeira muito grande e precisavam mudar ali o status urgentemente. A SAF proporcionou essa entrada de capital e reorganização de dívida e já teve a revenda.
O Fortaleza, sim, pensa nesse modelo que você perguntou, de venda minoritária, entendemos que temos o perfil para isso, sim. Ouvimos algumas sinalizações do mercado de que temos perfil, que o mercado entende que o Fortaleza é um clube com gestão e práticas de governança que sustentam a entrada de um investidor sem ele estar no controle. Um investidor com o qual, logicamente, se estabelece quais são as cadeiras que ocupará, quais são as prerrogativas que terá. Porque colocará o dinheiro e, naturalmente, quem bota o dinheiro quer o retorno e entender como funciona o custeio disso, até para que possa ter retorno. Não colocará dinheiro só porque quer ajudar o Fortaleza a seguir competitivo. Vai colcoar porque acredita que o Fortaleza ainda tem margem de crescimento e dará retorno ao capital dele. Acreditamos que muito em breve mostraremos ao mercado que a gente consegue fazer essa nova onda de SAFs com investimento minoritário.
O mercado entende que o Fortaleza é um clube com gestão e práticas de governança que sustentam a entrada de um investidor sem ele estar no controle
MARCELO PAZ, CEO DO FORTALEZA
Que tamanho do salto que o Fortaleza pode dar?
É difícil prever esse salto porque a gente já cresceu muito nos últimos anos, e os saltos estão ficando menores. Você não vai conseguindo seguir o mesmo ritmo de crescimento percentual esportivo. Acho que, acima de tudo, temos de nos manter competitivos, brigando numa série A, na primeira página da tabela, participando de competições sul-americanas. É algo que já tem de ser considerado muito bom, eventualmente, podem haver encaixes específicos que vão fazer uma conquista de um título, uma campanha ainda melhor.
Não é hora também de prometer que estará sempre brigando para ganhar a Copa do Brasil todo ano ou estar sempre jogando a Libertadores. Isso não está no nosso controle. Temos de nos tornar competitivo, brigando no alto e, acima de tudo, com responsabilidade financeira.
Quando falo do Fortaleza aqui, e faz muito tempo que abordo esse crescimento, ouço em alguns debates que a pressão do seu clube é diferente da sofrida por Grêmio e do Inter, que pelos títulos começam o ano com conquista da Libertadores e do Brasileirão como meta. Nos fale um pouco da pressão que o Fortaleza enfrenta e que tamanho ela tem?
Aprendi que o torcedor é insaciável, sempre quer algo a mais. Lá em 2017, tudo que o torcedor do Fortaleza queria era ser o 44º time do Brasil, ou seja, acabar entre os quatro da Série C. Esse era o sonho dele e ficou superfeliz naquele momento. Quando você vai para a série B, ele já quer ficar entre os 24 do Brasil, porque ele quer voltar para a Série A. Quando chega na A, ele não quer ficar entre os últimos, mas permanecer. Vai sempre crescendo (essa exigência).
Em 2023, fomos vice da Sul-Americana. A expectativa do torcedor para a Sul-Americana em 2024, é que ganhe. Se for vice de novo, é frustrante. Se não chegar à final, vai dizer: "Pô, não chegou à final, no outro ano chegou". A cobrança é sempre crescente, de acordo com o que o clube vem entregando. Falando de pressão, o Fortaleza sempre teve muitos atletas gaúchos. Converso muito com eles, que dizem que é muito parecido o nível de cobrança que sofriam em Grêmio e Inter. Até porque são situações parecidas no sentido de que são dois grandes clubes na cidade.
O Fortaleza sempre teve muitos atletas gaúchos. Converso muito com eles, que dizem que é muito parecido o nível de cobrança que sofriam em Grêmio e Inter.
MARCELO PAZ, CEO DO FORTALEZA
Como funciona essa pressão local, pela rivalidade?
É Fortaleza e Ceará, a cobrança nos clássicos, de que tem que estar na frente do rival. Ganhou, sai andando na rua de peito aberto. Perdeu, vai para casa, se esconde e deixa a poeira baixar. É muito parecido. Não posso caracterizar que é menor em Fortaleza do que aqui. Lógico que historicamente os clubes gaúchos tem mais conquistas, isso é inegável, tem título brasileiro, tem título sul-americano, tem título mundial. Isso é mérito.
Mas até a década de 70, por exemplo, não tinha título nacional. O Inter foi o primeiro clube gaúcho que foi campeão, depois o Grêmio foi campeão da Libertadores em 1983, na época do Renato jogando, e aí criou-se um novo conceito, uma grandeza também dos clubes gaúchos a nível nacional e internacional. Podemos chegar, talvez em algum momento, a elevar esse nível, a buscar conquistas maiores. Não estou prometendo isso, mas o nível de pressão, de cobrança e de expectativa dentro da cidade eu acho que é muito parecido.
Defendo a tese de que o crescimento do estado do Ceará, principalmente com a atração de muitas empresas do sul e do centro do país a partir de incentivos no ICMS, e índices como tereiro lugar no Ideb e PIB crescente ano a ano criam um ecossistema favorável que se reflete também no sucesso do Fortaleza.
Ajuda, com certeza. A economia sempre influenciará em qualquer aspecto da questão esportiva no mundo inteiro. Podemos fazer o paralelo que a economia do Brasil é a melhor da América do Sul, por isso que os clubes brasileiros estão muito à frente dos seus rivais, têm mais dinheiro, têm mais possibilidade de investimento, entregam melhores resultados. O estado do Ceará cresceu, Fortaleza hoje é a capital do Nordeste com o melhor PIB, é a quarta do país em termos de população, a economia vem crescendo.
Ainda não é um Estado rico, o Ceará ainda tem diversas dificuldades, mas cresceu muito nos últimos anos. Isso reflete na questão esportiva, no ticket médio que um torcedor pode pagar de bilheteria, no ticket médio de torcida, de sócio-torcedor, reflete nas empresas que podem fazer algum tipo de patrocínio, reflete em ter uma cidade mais acolhedora para quando o atleta vem de um outro centro, de ele querer morar lá porque a cidade é boa. Tem serviço, tem qualidade, tem escola boa para os filhos, tem uma boa rede médica. Tudo isso, sem dúvida, é um fator.
Há algo que você não citou, mas acho que é importante, o equipamento. A Arena Castelão nos proporciona fazer grandes jogos, é um legado direto da Copa. O Castelão sempre foi grande, sempre foi um estádio grande desde a década de 1970. Mas essa atual versão é de um estádio mundialista, que teve 6 jogos de Copa do Mundo, com estrutura muito boa de camarote, de vestiário, de estacionamento. Para a gente poder jogar com o River Plate e o Boca Juniors, ainda bem que tem o Castelão. Nosso estado tem um equipamento que é dos melhores da América do Sul, e isso também facilita para que o futebol cresça.
Para a gente poder jogar com o River Plate e o Boca Juniors, ainda bem que tem o Castelão. Nosso estado tem um equipamento que é dos melhores da América do Sul
MARCELO PAZ, CEO DO FORTALEZA
Presidente, o senhor é a liderança da Liga Forte União. Por que não tem uma liga no Brasil?
Diria que terá. Acredito que teremos a Liga e que está mais perto do que em outros momentos. É um processo lento mesmo, porque são barreiras históricas que precisam ser quebradas. Muitas já foram. Você que é um jornalista que sei que já tem uma boa história aí pode atestar que o futebol brasileiro já foi mais fragmentado. Era o clube dos 13, eram os do Nordeste contra os do Sul, eram os da Série A contra os da Série B, eram os paulistas contra os cariocas.
Hoje, a própria LFU é uma liga extremamente plural. Temos gaúcho, mineiro, paulista, carioca, goiano, paranaense, pernambucano, amazonense, mato-grossense. É um grupo de clubes mais representativo, mais amplo, que tem times das Séries A, B e C. Como hoje só são dois grupos, é só a Libra e a Liga Forte União, basta esses dois, se juntarem. Não está tão longe. Quando eram cinco ou seis grupos, diversas divisões, aí era impossível. Foi tendo um amadurecimento, e em algum momento, que espero que seja breve, acho que vai ter o passo da união definitiva.
Mas não vai ser nesse ciclo de TV de cinco anos?
Pode ser, pode ser nesse ciclo, por mais que as vendas sejam diferentes. A Libra já vendeu para a Globo e a LFU está vendendo um pacote bem fatiado, que acho que maximizará a receita. Uma vez que as vendas sejam feitas, pode já se pensar na organização do campeonato em conjunto. Nada impede isso, de repente é até um bom embrião para que a organização do campeonato em conjunto mostre as similaridades, mostre o que precisa ser melhorado, para que quando terminar esse ciclo que vai começar já se venha outro ciclo também de forma unísona.
Que barreira teria, presidente? Quem seria a barreira? O que falta?
A barreira primeiro, era a divisão de receitas, porque historicamente alguns clubes ganhavam muito mais do que os outros. Já vai mudar um pouco nesse ciclo agora. Isso impossibilitou a união geral, foi esse ponto. Os clubes emergentes, e o Fortaleza faz parte deles, segurou e defendeu que não ia mais replicar esse modelo, e aí alguns clubes gigantes aderiram, como o próprio Inter, o Fluminense e o Atlético-MG. Em segundo momento, vieram Cruzeiro, Vasco e Botafogo, entenderam que esse modelo era o mais justo também.
Hoje, temos dois grupos equilibrados, de clubes fortes dos dois lados, mas o primeiro passo que dificultou foi isso (divisão de receitas). Na medida em que não teve esse entendimento, se criam as assessorias de cada grupo, se criam os modelos de negócio de cada grupo, e não foi possível a união agora. Mas volto a dizer, acredito de verdade que uma vez que a venda de direitos seja concretizada, a gente volte a sentar à mesa para buscar organizar o campeonato.