O Botafogo, outra vez, lidera o Brasileirão. O Fortaleza está em seu encalço e, com um jogo a menos, entra na rodada como líder por aproveitamento. Em sexto, o Cruzeiro, que acelera após ser reorganizado por Ronaldo e revigorado pelo novo dona da sua SAF. Logo atrás vem o Bahia, que neste sábado (17) encara o inverno em Caxias do Sul para enfrentar o Grêmio. O Bahia, não, o Bahia City, cuja temporada de 2024 já mostra a força da mão do City Group e se apresenta como inquilino da parte alta da tabela. São novos tempos, de uma nova dança no Brasileirão, com novos protagonistas.
É aqui que reside a minha preocupação. Estamos demorando a entrar nessa festa. Grêmio e Inter precisam urgentemente abrir debate sobre como poderão se reposicionar e, principalmente, revitalizar suas finanças.
Aqui um alerta: não caia no debate simplificado de virar ou não SAF. Há muitos outros caminhos, há uma legião de investidores estrangeiros prontos para colocar suas fichas no futebol brasileiro, reconhecido como o melhor do mundo e dono, todos os anos, do ranking de venda de jogadores para o Exterior. Porém, para que eles invistam aqui, os clubes precisam mostrar confiabilidade, transparência e estabilidade interna.
Os dois primeiros se consegue com gestão, planejamento e governança. O terceiro com oração, porque com Conselhos Deliberativos inflados e inflamados, é traço característico dos grandes clubes brasileiros a efervescência política.
Os quatro clubes citados acima, antes da dupla Gre-Nal, são SAFs, mas distintos entre si. O que só mostra o quanto esse debate de transformar o futebol em S/A é profundo.
Do investimento estadunidense ao supermercado mineiro
Botafogo e Cruzeiro viram nesse modelo a única porta de saída no fundo do poço escuro em que estavam. Ou vendiam seus departamentos de futebol ou a falência seria iminente. Os cariocas receberam de braços abertos o norte-americano John Textor.
Em 30 meses, ele transformou o time carioca. Fora e dentro de campo. O clube, quando ele comprou 90% das ações, estava na Série B. No ano passado, deixou escapar o título brasileiro na reta final. Neste ano, ponteia de novo e saiu na frente nas oitavas da Libertadores contra o Palmeiras.
Por trás do sucesso em campo está uma gestão extremamente profissional. Textor buscou executivos de mercado que comandam o clube como se fosse uma empresa.
Claro que a carteira do dono ajuda, mas nada é feito por impulso. Foram 16 contratações e R$ 320 milhões gastos. O Cruzeiro foi na mesma linha. Pedro Lourenço, supermercadista mineiro, comprou a SAF de Ronaldo e foi às compras: Walace, Matheus Henrique, Kaio Jorge, Peralta e Lautaro Díaz.
A saída de Ronaldo fez com que seus principais executivos também procurassem outros rumos. Aqui, é preciso observar como será a nova gestão. Os resultados de campo, porém, afiançam a transição harmoniosa.
Nordeste na primeira página do Brasileirão
Os casos de Bahia e Fortaleza são distintos e mostram o quanto o trabalho precisa ser longo e contínuo. O time cearense, há sete anos, estava na Série C e apostou na gestão profissional.
O mesmo grupo político comandou o clube, organizou finanças e passou ao mercado a confiabilidade de que ali há um porto seguro para investir.
Em 2022, o clube aprovou a criação da SAF, cujo CEO é Marcelo Paz, o dirigente que capitaneou a reestruturação.
O Fortaleza está de portas abertas aos investidores. Porém, eles sabem que o controle acionário tem dono, e não será um deles.
Os baianos fizeram algo parecido, em termos de reorganização. Tudo começou em 2014, com o jornalista Marcelo Santana. Depois, veio Guilherme Bellintani, ex-secretário municipal de Salvador e empresário. Em 2020, o debate sobre o futuro do clube foi aberto.
O Bahia estava em dia, com as finanças organizadas e pronto para ir ao mercado escolher quem seria o investidor em sua SAF. Bellintani viajou em abril de 2022 até Manchester, e as conversas se aceleraram. Um ano depois, os xeques de Abu Dhabi transformavam os baianos em seu 12º clube no portofólio do City Group.
Como se diz no mundo corporativo, o dinheiro dos xeques fez do Bahia o mais novo player no mercado. Prova disso foi a compra de Lucho Rodríguez, na última janela. O atacante de 21 anos é a maior joia do futebol uruguaio e custou US$ 12 milhões — por 70% dos direitos. Um valor que nem Grêmio, nem Inter, sonhariam pagar.
É bem possível que Lucho esteja em campo neste sábado (17), no Alfredo Jaconi. Quando vê-lo em ação com a camisa do Bahia, reflita: no cenário atual, teremos condições de comprar o destaque do último Mundial Sub-20 e titular da sub-23 uruguaia por US$ 12 milhões?
Precisamos discutir, com urgência, os modelos de negócio dos nossos dois gigantes aqui no Sul. Ou ficaremos fora dessa dança.