Há jogos que a gente vai levar na memória para sempre. Posso dizer que Barcelona x Napoli, realizado na terça-feira (12) pela Champions League, será um deles. Havia uma aura nesse confronto. Maradona jogou pelos dois. As camisas são pesadas. Mesmo que ambos estejam numa temporada de oscilações, o que eles deixaram em campo compensou. Jogaram como se espera e entregaram tudo em campo. O 3 a 1, combinado com o empate na Itália, deu a vaga aos catalães e um espetáculo para quem veio assistir.
Noite de Champions é diferente. A atmosfera do jogo muda. A temperatura da torcida sobe, há uma eletricidade no ambiente. Uma multidão subiu o Montjuic. A pé, boa parte dela. Embora o Barcelona disponibilize ônibus no sopé do morro, na Plaza Espanya, cartão-postal da cidade. Porém, encarar 897 metros lomba acima parece já fazer parte da mobilização, da arregimentação de forças. Normalmente, a torcida sobe caminhando. Dessa vez, não. Foi cantando, animada. Percebia-se a excitação provocada pelo jogo.
Lá no alto, na avenida Luis Company, principal eixo do anel olímpico, todos caminhavam apressados, havia certa confusão. Os carros dos Mossos D'Esquadra, a polícia daqui, com os giroflex azuis piscantes, davam ainda mais cara de estádio sul-americano ao sempre recatado ambiente do Olímpico. Mesmo no clássico com o Real Madrid ou em outros jogos concorridos da La Liga, como aquele contra o Girona, não havia essa algaravia toda. Até foguetes foram estourados no lado de fora. Os catalães estavam, mesmo, a fim de jogo.
O Barcelona caiu nas oitavas nos últimos quatro anos da Champions. Em um desses jogos, levou aquela surra de 8 a 2 do Bayern. Como o time atual está bem longe dos melhores dias do Barça, a torcida entendeu que só com o empurrão dela haveria como sorrir. Não bastasse o futebol um tanto dessincronizado dessa temporada, Xavi ainda perdeu quase o meio-campo inteiro. Primeiro foi Gavi, com lesão no joelho. Ele é a alma do time. Depois, foi Pedri, com lesão muscular. Por fim, De Jong, o cérebro do Barça, torceu o tornozelo. Se há um mérito de Xavi, esse é o de ir costurando soluções a cada semana.
O Barça foi se moldando até chegar a essa estrutura: Koundé sendo híbrido de zagueiro e lateral-direito, Cubarsí, pinçado com 16 anos da base na zaga, ao lado de Ronald, João Cancelo, um lateral-direito na esquerda, Christensen, zagueiro adiantado como volante, Raphinha por dentro, como meia, e Lamine Yamal, outro adolescente de 16 anos, jogando como adulto.
A torcida tem mesmo senso apurado. Ela energizou esse time. Tanto que, em 17 minutos, estava 2 a 0. Aceleração máxima. Os cânticos começaram na entrada em campo. A Uefa colocou o hino da Champions, aquele de arrepiar, que te sacode pelo ouvido de que tu estás vendo um jogo da melhor competição do mundo. Desta vez, não deu nem para fazer videozinho pras redes sociais. Porque enquanto sacudiam o escuto da Uefa, o som do hino do Barça cantado a pleno pulmão abafou tudo.
Raphinha, jogando em alto nível, participou dos dois gols. No primeiro, aos 13, arrancou em contra-ataque e cruzou para Fermín, outro guri lançado por Xavi, fazer 1 a 0. Quatro minutos depois, Lamine foi quem arrancou. Ele parece correr sem fazer força e joga como se estivesse na quadra do colégio. Assim, acionou Raphinha que zunia pela esquerda. O chute acertou o poste e voltou no pé de Cancelo: 2 a 0. A essa altura, a torcida organizada entoava os cânticos argentinos que a gente ouve aí nos nossos estádios: "Vamo,vamo, Barceloooo, hoje eu vim te apoiaaar".
Eles não são assim mesmo. Nos jogos, cantam uma ou duas vezes e se sentam para comer a pipoca que compram em balde ou assistir ao jogo. Na sexta-feira (8), contra o Mallorca, eu flagrei um sujeito revisando gráficos em formato de pizza que havia recebido no celular. Tudo bem que o jogo estava meio monótono, mas acessar o Excel enquanto o time joga e o filho está ali do lado, não dá, né? Se ele veio nesta terça ao Olímpico, tenho certeza de que deixou o programa fechado. Porque o Barça jogou como ainda não havia jogado nesta temporada. Nos primeiros 30 minutos. Depois de levar 2 a 0, o Napoli encaixou a marcação, vigiou Lamine, Raphinha e Cancelo e passou a jogar. Chegou uma, duas e, na terceira, Rrahmani descontou.
Os torcedores do Napoli se ensaiaram. Os mais de 5 mil se fizeram ouvir como durante o dia, nas ruas de Barcelona. Os italianos, você sabe, são entusiasmados quando falam. Os napolitanos, mais ainda. O jogo ficou tenso. A torcida, que já estava elétrica, seguiu no seu tom. Quando Cubarsí interrompeu contra-ataque ela irrompeu em coro.
A falta em Raphinha veio seguida de um grito do sujeito aqui ao lado: "Tarjetaaaa, hdp!". No campo, o jogo virou um troca troca. Até que veio o terceiro gol, em uma jogada do Barça dos melhores tempos, trocando passes, um espetáculo, banquete de bola. Maradona, se estivesse aqui, teria se divertido. Se é que não estava, espiando tudo e vendo um jogo digno de Champions.