Acabou o "Julgamento do Ano". Nesta quarta-feira (7), depois de quase sete horas de sessão, foi encerrado o júri que decidirá se Daniel Alves é culpado ou inocente da acusação de estupro a uma jovem em Barcelona. Foram três dias de depoimentos e a reconstrução de tudo que se passou no lavabo do camarote seis da boate Sutton na madrugada de 31 de dezembro de 2022. A última noite daquele ano também foi a última daquelas vidas que levavam uma jovem de 22 anos e um ídolo do Barcelona e da Seleção de 39. Quando o sol raiou na manhã seguinte, nada mais era como antes.
A partir de agora, a juíza responsável pela 21ª Câmara da Audiência de Barcelona, Isabel Delgado Pérez, e os magistrados Luis Belestá Segura e Pablo Diez Noval definirão o veredito. Ele pode demorar de 15 a 40 dias. Antes, eles deliberarão sobre a petição da defesa para que o jogador espere veredito em liberdade.
O último dia de julgamento foi marcado pelo depoimento de Daniel. Foram apenas 20 minutos, nos quais respondeu apenas às perguntas da sua advogada, Inés Guardiola. A defesa adotou como estratégia não contestar os questionamentos da acusação. O jogador seguiu fielmente o roteiro já traçado pela sua advogada e muito claro nos depoimentos da véspera, de sua mulher, Joana Sanz, e do amigo, Bruno Brazil, que o acompanhava na boate naquela noite. Confirmou que havia bebido muito desde o almoço e no jantar, que antes de chegar à boate parou em um bar para tomar mais uns drinques e que seguiu com o consumo de bebida alcóolica no camarote. A estratégia de revelar embriaguez se explica por uma brecha na lei espanhola, que atenua crimes cometidos sob efeitos de álcool e entorpecentes.
Quanto ao ato sexual com a jovem, o jogador não só contou em detalhes como encenou o que havia ocorrido dentro do banheiro. Em certo momento, até se afastou do microfone e recuou a cadeira para mostrar como a jovem havia feito sexo oral. Neste momento, inclinou a cabeça para trás como se estivesse relaxando. Fez o mesmo quando contou que a jovem sentou em seu colo, enquanto ele estava acomodado no vaso sanitário, com as calças arriadas. Daniel havia confirmado antes que fora Bruno quem convidara a jovem, sua prima e a amiga para tomar champanhe em seu camarote. Segundo ele, os dois conversavam de forma respeitosa com as três. Só a partir do momento em que ele passou a dançar colado à jovem é que houve mudança de postura. Foi neste momento, quando as partes íntimas se roçaram, e que a convidou a ir para o banheiro. Ele encerrou sua descrição garantindo que, em nenhum momento, ela deu sinais de que não consentia.
Ao final, o jogador relatou como ficou sabendo da acusação. Disse que soube pela TV e que, naquele momento, sua vida tinha se arruinado. Quando falou dos danos familiares que vinha sofrendo, da perda de patrocínios e das dificuldades financeiras, com bloqueio de contas e dívida de 500 mil euros com o Fisco espanhol, ele se emocionou. Foram dois momentos de choro, seguidos de goles de água e pausa para se recuperar.
Em seguida ao depoimento de Daniel, houve uma breve pausa. Na retomada, vieram as considerações finais. A primeira a se manifestar foi a representante da promotoria. Se Daniel foi cruento nos detalhes, a promotora seguiu na mesma linha. Porém, dando uma versão totalmente diferente.
Segundo ela, o jogador pegou a vítima pelo cabelo com força, forçou-a a fazer sexo oral, deu-lhe tapa na cara, a penetrou por trás e ejaculou dentro e fora. A jovem, prosseguiu, "explicou que viveu uma situação de terror, foi um relato persistente, crível e duro".
Antes do depoimento de Daniel, médicos forenses e peritos, dos Mossos D'Esquadra e contratados pela defesa, deram seus pareceres técnicos. A médica relatou que a vítima sofre de estresse pós-traumático. A psicóloga contratada pela defesa contestou, dizendo que o medicamento tomado pela vítima era para um transtorno de outras características. A batalha de versões só foi interrompida depois do primeiro intervalo. Foi quando, depois de acordado por defesa e acusação, foram reproduzidas duas horas de gravação daquela noite na boate, além de uma gravação acidental feita por um policial no momento em que prestava o primeiro atendimento à jovem.
Nesse momento, apenas Daniel, os advogados e os juízes viram as imagens. Os jornalistas que acompanhavam o julgamento, porém, puderam ouvir o som das gravações. Quando veio o áudio da jovem chorando, o jogador baixou a cabeça. A sessão se encerrou às 21h52min. O frio já açoitava os mais de 100 jornalistas que esperavam, na calçada do outro lado da rua. Uma zona mista de coletiva, feita com os gradis, foi montada pelos Mossos D'Esquadra. Ficou combinado, depois de muita discussão com os policiais, que repórteres ficariam com os microfones do lado dentro da zona mista, enquanto câmeras, do lado de fora. A advogada de Daniel foi a primeira a falar. Fez um pronunciamento rápido, quase protocolar. Disse confiar na inocência de Daniel e de que teria de esperar. A advogada da vítima, Estérs García, respondeu a três ou quatro perguntas e encerrou com uma frase impactante sua última resposta:
— Ela é uma sobrevivente.
Acompanhada de dois advogados da sua equipe, ela atravessou a rua e saiu pela calçada da Audiencia de Barcelona, já vazia e silenciosa. Tudo, agora, está nas mãos dos juízes.