O segundo dia do julgamento de Daniel Alves deixou escancarada a estratégia de defesa do jogador: a culpa foi o excesso de álcool. Todos as testemunhas arroladas pela advogada Inés Guardiola seguiram a mesma linha, de que naquele 30 de dezembro houve bebida demais e perda de controle. Isso se explica porque pelo Código Penal espanhol há uma atenuação do crime caso ele tenha sido cometido sob efeito de álcool ou drogas. Desde que se comprove que o consumo dessas substâncias não tenha sido premeditado para delinquir. Ou seja, Daniel e sua advogada escolheram um caminho duro para enfrentar o Júri. Porém, menos pedregoso.
O problema, no caso de Daniel Alves, é que a versão a ser apresentada em seu depoimento nesta quarta-feira (7) será a quinta diferente. Desde que foi chamado a Barcelona, em 20 de janeiro de 2023, para prestar esclarecimentos sobre a acusação de violência sexual apresentada por uma jovem, ele já mudou-a três vezes. Primeiro, ele disse desconhecer a vítima. Depois, admitiu tê-la encontrado no banheiro do camarote que havia alugado na boate Sutton. Em seguida, reviu sua versão e disse ter recebido sexo oral. Mudou mais uma vez e revelou ter feito sexo com a jovem, mas de maneira consesual. Por fim, vai sustentar que estava embriagado. A lei espanhola tem a contradição de atenuar crimes sob efeito de álcool ou entorpecentes. Só que vai ser difícil para Daniel convencer os juízes de que, depois de tantas versões diferentes, a última é a real.
Entre os 19 depoimentos ouvidos entre às 15h e às 18h45min na 21ª Câmara da Audiencia Pública de Barcelona, estavam dois muito ligados ao jogador, o da sua mulher, Joana Sanz, e o do amigo, o chef Bruno Brasil.
Bruno foi um dos primeiros a depor. Ele estava com Daniel no camarote naquela noite. Na segunda-feira (5), um dos atendentes da Sutton contou que Bruno pediu para que ele convidasse mulheres que estavam na boate para "tomar uma taça de cava" no camarote. O atendente abordava quem Bruno indicasse, em gestos, à distância. Foi assim que a vítima, sua prima e sua amiga foram parar dentro da área exclusiva locada pelo jogador.
Naquele dia, garante Bruno, ele almoçou, passou a tarde e jantou com Daniel. O jogador teria bebido uma garrafa e meia de vinho, duas doses de whisky e, já no local, teria tomado quatro gim-tônica. Antes de chegar a Sutton, ainda teriam parado em um bar para tomar algo. Bruno reconheceu ter conversado com as jovens, mas garantiu que tanto ele quanto Daniel "bailaram com respeito" com elas no camarote.
O último depoimento do dia foi de Joana. Ela havia chegado às 15h10min à Audiência de Barcelona. Desceu diante da porta, de uma minivan preta, ombreada por dois seguranças. Elegante, vestia uma saia comprida e justa preta, com uma fenda na parte de trás, e um casaco preto. Caminhou rapidamente, apesar do salto alto. Os óculos de sol e o cabelo preso no alto da cabeça completavam o tom sóbrio escolhido pela modelo.
Joana é conhecida na Espanha pelo seu trabalho em campanhas publicitárias e desfiles. Nascida em Tenerife, conheceu Daniel em 2015 e casou-se com ele dois anos depois. Em janeiro 2023, quando estourou o escândalo do marido, ela chorava a morte da mãe. Em seu depoimento, Joana disse que o drama familiar e a perda recente da Copa do Mundo foram os gatilhos que fizeram Daniel beber além da conta naquele final de 2022. Na noite anterior, revelou, o jogador já havia saído para jantar com amigos e chegou tarde da noite em casa.
Na noite seguinte, seguiu ela em seu depoimento, o casal havia combinado de jantar na Taberna del Clínic, um restaurante cujo chef é premiado, no badalado bairro de Éxample. Porém, Daniel seguiu com os amigos com os quais estava desde a tarde, e o programa foi cancelado. O marido só chegou em casa, segundo ela, por volta das 4h. Estava trôpego. Ao entrar no quarto, chocou-se contra o armário e tombou na cama. Pelo estado dele, os dois não conversaram sobre a noite. No dia seguinte, depois de dormir até tarde, Daniel disse apenas que ele e os amigos haviam ficado até mais tarde no restaurante.
Uma terceira testemunha que coincidiu com a linha de embriaguez do jogador foi o atendente do camarote. Rafael Lledá disse em seu depoimento que não via o jogador com o comportamento de sempre e o percebia alterado. Os outros depoentes, no entanto, trouxeram elementos que reforçam a versão apresentada na segunda-feira pela vítima, pela sua amiga e pela sua prima.
O gerente da Boate Sutton, Roberto Massanet, deu detalhes dos momentos que sucederam a suposta violação cometida pelo jogador. Foi Massanet quem acionou o protocolo de amparo e proteção às vítimas de violência sexual. Ele teria visto a jovem chorando e a abordou. Segundo o gerente, ela teria revelado o estupro, mas resistia em fazer a denúncia, por receio da exposição que teria pelo fato de ser um jogado de futebol. Também temia que, por ele ser famoso, o caso pouco avançaria.
Para o gerente, a jovem reconheceu ter entrado de forma voluntária no lavabo com o jogador. Mas quando recuou e decidiu sair, teria sido impedida. Ao ser atendida, ela estaria com os joelhos machucados. A sessão contou ainda com os depoimentos dos mossos d'esquadra que prestaram o primeiro atendimento e também por aqueles que fazem parte da Unidade de Agressões Sexuais. Os peritos que chegaram logo depois de iniciado o atendimento e vasculharam o banheiro também foram ouvidos.
Ao todo, 19 pessoas sentaram diante do juiz para dar depoimento. No total, seriam 22, mas três foram descartados. Entre elas, a mãe de Daniel, Lucia Alves.
No final da tarde, Lucia deixou o prédio de mãos com a nora. A mãe embarcou em um táxi, acompanhada do filho, Ney, e de dois advogados. A mulher entrou no seu carro preto de vidros escuros. Antes de arrancarem, os dois carros ficaram em fila dupla em frente à Audiência de Barcelona. Os ocupantes trocaram rápidas palavras e seguiram seus destinos. O segundo dia, assim, acabava já com o frio açoitando os jornalistas de plantão no outro lado da rua. Tudo será retomado nesta tarde de quarta-feira, com o depoimento de Daniel sobre o que aconteceu naquela noite de 30 de dezembro. Pela estratégia traçada por sua defesa, de embriaguez, talvez sobrem poucas lembranças. Vamos esperar.