A Espanha fixa seus olhos nesta semana no Palacio de Justicia de Barcelona. Ali dentro do prédio frio, de pé direito alto, com construção datada de 1887, acontece o julgamento do lateral brasileiro Daniel Alves, acusado do crime de violência sexual cometido, em 30 de dezembro de 2022, contra uma jovem de 22 anos.
Os espanhóis definem esse júri como "O Julgamento do Ano". Porém, ele é mais até do que isso. O país inteiro está certo de que haverá "um antes e depois" do veredito que será dado a Daniel Alves em relação a crimes de violência sexual.
O fato de um jogador renomado e recordista de títulos no mundo estar no banco dos réus já chamaria atenção. Ainda mais esse jogador sendo ídolo recente do Barcelona, o coração de uma comunidade autônoma de veia independista. Tudo aqui na Catalunha gira em torno do Barça e de seus astros.
Mas a razão para o julgamento estar no centro das conversas vai além disso. Trata-se de marco para uma sociedade que luta, nos últimos anos, contra o patriarcado. Daniel Alves é o primeiro réu de renome a ser julgado desde a entrada em vigor da "Ley Solo Sí es Sí". É aqui que está o ponto de virada da sociedade espanhola desde que vozes feministas se fizeram ouvir na luta de combate à violência sexual contra as mulheres. Todos na Espanha estão à espera de uma resposta para a seguinte pergunta: a lei é para todos?
A nova lei entrou em vigor em maio de 2022, sete meses antes da acusação pela qual Daniel é julgado. O projeto foi apresentado pelo Ministério da Igualdade, em 2020. Tramitou a passos vagarosos pelo Congresso, sofreu mudanças, recuou em alguns pontos, mas avançou em um ponto central: se não houver consentimento para o ato, trata-se de crime. Além disso, retirou qualquer distinção entre abuso e violência sexual.
Ou seja, tirou qualquer curva que permita interpretações. É uma lei reta, direta. Colocou no seu cerne uma palavra que norteia tudo: consentimento.
A lei também contempla um serviço de pronto atendimento 24 horas para as vítimas. É aqui que ela mostra seu efeito imediato. Como deveria acontecer com todas as leis aí no Brasil. A jovem foi rapidamente atendida assim que um dos funcionários da boate Sutton percebeu-a chorando depois de deixar o camarote em que estavam Daniel e um amigo.
O protocolo para suspeita de violência sexual foi acionado. Os Mossos D'Esquadra, como é chamada a polícia, acudiu ao local. A jovem, convencida pela amiga e pela prima que a acompanhavam, foi levada para exames no Hospital Clínic. O lavabo onde a suposta violação cometida por Daniel aconteceu, foi isolado. Uma equipe de peritos chegou em seguida e coletou provas no local.
Caso Daniel Alves
Daniel foi detido em 20 de janeiro de 2023. A primeira vez que colocou a cara para fora da Penitenciária Brians 2 foi nesta segunda-feira (5). Nesse período, buscou três vezes a liberdade provisória. Também trocou três vezes sua defesa. Por último, Cristóbal Mortell, tratado aqui como um Toga de Ouro, deixou o caso.
Quem assumiu foi Inés Guardiola Sanchéz. Também mudou sua versão três vezes. A última e quarta é de que estava embriagado. O juizado pede nove anos de prisão, além de um depósito de 150 mil euros, já realizado, para caso de indenização.
Primeiro dia de julgamento
Neste primeiro dia de julgamento, Daniel saiu com o amargor da derrota. Sua defesa teve negado o pedido de anulação do júri, sob alegação de vazamento de informações à imprensa que criaram um julgamento paralelo e público. Foram seis horas de sessão. Daniel, de camisa branca, calça jeans e tênis branco, assistiu sentado a tudo.
O primeiro depoimento foi da vítima. Durou uma hora e 15 minutos e foi concedido à portas fechadas. Ela ficou atrás de um biombo, para não cruzar olhar com o jogador. A voz dela foi alterada. As medidas foram tomadas para proteger sua identidade. Neste momento, os sinais dos meios de comunicação que estavam no recinto foram cortados.
A vítima reafirmou o ato de violência sexual. Depois dela, a amiga que convenceu a fazer a denúncia na noite do suposto crime e a prima prestaram depoimento. Segundo elas, Daniel não apresentava alterações ou sinal de embriaguez. O primeiro dia fechou com o garçom que atendeu o camarote em que estava o jogador naquela noite e o porteiro da boate.
Esse revelou que, enquanto conversava com a vítima e buscava entender a razão do seu choro, Daniel teria passado por trás deles, a cerca de um metro, sem fazer qualquer intervenção. Os dois funcionários também disseram desconhecer qualquer sinal de embriaguez no jogador. O que desmonta a tese de sua defesa.
O julgamento prossegue nesta terça-feira (5). Estão previstos depoimentos de 22 pessoas. Entre elas Bruno, o amigo que acompanhava o jogador, Joana Sanz, sua mulher, os agentes dos Mossos D'Esquadra que atenderam à ocorrência e outros três empregados da boate. O depoimento de Daniel, por pedido da sua advogada, ficou para quarta-feira (6), último dia do julgamento. Essa, aliás, foi a única vitória da defesa do jogador neste primeiro dia.