A luta do Vasco é a de um gigante contra si mesmo. Contra seu passado recente de gestões atrapalhadas, o longo período sob o coronelismo de Eurico Miranda, o presente em ebulição e ainda de dúvidas em relação ao contrato de venda da SAF para o grupo o norte-americano 777 Partners. Tudo isso misturado entrará em campo como adversário do Grêmio, na tarde de domingo (3), na Arena. O Vasco precisa vencer. Qualquer outro resultado pode empurrar o clube ao seu quinto rebaixamento.
Esse é um número impactante: cinco quedas. Estamos falando disso em um recorte de 15 anos. É como se o Vasco, a cada três anos, passasse um na Série B. Não estamos falando de um clube médio, cuja lei de sobrevivência é só se manter na Série A.
Falamos aqui de um tetracampeão brasileiro e campeão da América, dono da quinta maior torcida do Brasil, com 6,2% da preferência, conforme pesquisa do Instituto AtlasIntel, encomendada pelo ge.globo, neste ano. Tirando a região Sul, onde há predomínio de Grêmio e Inter, nas outras quatro o Vasco está sempre no top 5 do ranking. No Norte, só fica atrás de Flamengo e Corinthians. Essa massa toda, desde 2008, vive com o coração na mão. E sofrendo.
Imaginem Grêmio ou Inter caindo cinco vezes em 15 anos. Seria o suficiente para umas três Revoluções Farroupilhas, pelo menos. Isso enquanto o rival só sobe, como é o caso do Flamengo no Rio. É pelo que passa o torcedor vascaíno. A partir da metade de 2022, enquanto lutava na Segunda Divisão, ele vislumbrou um mundo diferente com a proposta de compra da SAF pelos norte-americanos da 777 Partners. Em agosto do ano passado, quando o Conselho aprovou a venda por R$ 700 milhões, os torcedores do Vasco irromperam em êxtase e, claro, provocaram o Flamengo. Cantaram, no melhor estilo carioca: "Urubu otário, a 777 tem dinheiro pra c.!".
Controvérsias
A 777 tem mesmo dinheiro para... caramba. Porém, ninguém sabe de onde vem e também há questionamentos severos em como se aplica no Vasco. Em outubro, o New York Times publicou artigo em que buscava destrinchar as origens do grupo e entender como tinha capacidade para buscar a compra do Everton, da Inglaterra. O texto está sob o título "A empresa misteriosa com um pé na Premier League".
Ali, o caso do Vasco era citado. Assim como eram listados demandas contra o grupo na Justiça norte-americana. Uma condenação de um dos sócios, Joshua Wender, por tráfico de cocaína também estava descrita. Há 20 anos, Wender, estudante universitário na Flórida, recebeu um pacote com 31 gramas de cocaína. A polícia rastreou-o e prendeu. Ele alegou ser para uso dele e de um amigo. Foi condenado em 2004 por tráfico e cumpriu pena em liberdade.
Wender, hoje com 41 anos, virou um homem de negócios. A 777 foi criada em 2015 e se trata de holding que opera em cinco áreas: aviação, consumo e comércio, seguros, finanças de litígio e mídia e entretenimento. É nessa última que estão os clubes: Genoa-ITA, Red Star-FRA, Standard Liége-BEL, Hertha Berlin-ALE e Melbourne Victory-AUS. Além disso, tem pequena fatia do Sevilla.
Segundo a reportagem do NY Times, o grupo opera com empréstimos. No caso do Vasco, o estabelecido em contrato para o primeiro ano foi cumprido. Houve um atraso na segunda parcela, de R$ 120 milhões, mas os norte-americanos colocaram na conta. Com os R$ 190 milhões de 2022, já entraram R$ 310 milhões. Estão previstos R$ 270 milhões em 2024 e R$ 120 milhões em 2025.
O ponto é que o dinheiro serviu para apagar incêndios, colocar a casa em ordem e fazer contratações. Foram muitas, 16 em janeiro, sendo que oito dos novos jogadores comprados ao custo de R$ 100 milhões. Alguns, como Pedro Raul, vendido ao Toluca, saíram no meio do ano.
Outros oito chegaram com o objetivo de encorpar o grupo e evitar um rebaixamento que se desenhava desde a arrancada do Brasileirão. O técnico também foi trocado. O jovem Maurício Barbieri caiu, e o experiente Ramón Díaz chegou. No meio do caminho, o CEO da SAF acabou retirado do cargo, por pressão da direção do clube.
Pedrinho
Há duas semanas, o Vasco elegeu o ex-jogador Pedrinho como novo presidente. Integrante do mesmo grupo eleitoral de Edmundo, Pedrinho já avisou que mergulhará no contrato com a 777 e procurará dar mais transparência à relação, transmitindo aos sócios os pontos possíveis, que não estejam sob segredo de Justiça. Também anunciou sua pretensão de ter voz em decisões do futebol. O Vasco, dono de 30% da SAF, tem duas das sete cadeiras no conselho de administração e quer fazer valê-las.
Nesse caldeirão fervilhante, Ramón Díaz tenta evitar um novo rebaixamento. As chegadas de nomes como Medel, Praxedes, Paulinho e Vegetti deram vida ao time. Mas ele está longe de tranquilizar a torcida. Muito menos o ambiente.
No contrato com a 777 está previsto que, caso caia à Série B, o clube tem direito a trocar o CEO, Lúcio Barbosa, vindo em agosto, e o diretor executivo, Paulo Bracks, ex-Inter e no comando do futebol desde setembro de 2022. É nesse cenário de incertezas e questionamentos que o Vasco busca, neste domingo, a sua sobrevivência a Série A.