Richarlison é um jogador de primeira linha, mas precisa sempre provar isso. Também é o vice-goleador da Seleção Brasileira neste ciclo 2018-2022, com 17 gols, um a menos do que Neymar. É o goleador neste ano, com sete. Além desses números de amarelo, é também um jogador que disputa a sexta temporada seguida na Premier League,a principal liga do mundo. Mas ele mesmo sabe da necessidade de reafirmar isso o tempo todo. Está faltando um pouco mais de reconhecimento ao Pombo.
O estilo descontraído e a simplicidade de Richarlison talvez mascaram o grande jogador que é. Trata-se de um sujeito particular, é verdade. Neste começo de semana, aqui em Doha, ele foi um dos escolhidos para conceder entrevista coletiva. Entrou na sala de conferências montada no Grand Hamad Stadium por uma porta lateral já com um pequeno sorriso no rosto. Pronto para soltar uma de suas pérolas. Não demorou, é verdade. Na primeira pergunta, veio o questionamento sobre a crítica do jornal alemão Bild a Neymar, chamando-o de arrogante por publicar foto com a sexta estrela em um calção da Seleção:
— Não conheço esse cara, mas é um babaca. O Neymar pode sonhar com o que quiser.
A fala de Richarlison é rústica, e, muitas vezes, sem a concordância nominal mais precisa, mas é cheia de sentido. Ele sabe o que fala e sabe onde mete a mão. Quando, na coletiva, ele repete três ou quatro vezes que é goleador na Seleção e um jogador de Premier League, sabe que precisa reafirmar, diante da mídia, a estatura que conquistou aos 25 anos. Em cinco anos, ele saiu do Fluminense por 12,5 milhões de libras em agosto de 2017. Um ano depois, o Everton pagou 45 milhões de libras. Quatro anos depois, o Tottenham o levou por 50 milhões de libras. A escalada de libras acompanha a ascensão na carreira.
Nesse período, veio a Seleção, quase por acaso. Pedro lesionou o joelho na véspera da apresentação, em setembro de 2018, e Tite chamou o Pombo. Era a primeira lista pós-derrota para a Bélgica, na Rússia. O jogo era um desinteressante amistoso contra El Salvador, nos EUA. Daqueles em que colocam um gramado natural em cima de um artificial de futebol americano. Richarlison saiu jogando e fez dois. Ali, mostrou sua aptidão para o gol com a camisa da Seleção. Passou a fazer parte das listas de Tite e estava no grupo campeão da Copa América de 2019. Seguiu na Copa América de 2021, perdida no Maracanã, e ainda foi um dos acima de 24 anos eleitos para o segundo ouro olímpico, em Tóquio
Tudo parecia indicar que Richarlison havia entrado de vez na Seleção. Mas não foi bem assim. Ele ficou de fora da lista de agosto, com a proibição da Premier League de ceder os jogadores para vir à América do Sul no auge da pandemia. Em seguida, se lesionou. Sem ritmo, ficou de fora das listas seguintes. Também acabou esquecido na convocação de janeiro. Parecia que o Pombo tinha perdido o voo. Só que você sabe, ele é de gol. Voltou na convocação de fevereiro, contra Chile e Bolívia. Contra os chilenos, entrou faltando 15 minutos e guardou um. Contra a Bolívia, foi titular e guardou dois. Recuperou seu lugar com bola na rede.
Tite acabou convencido por Richarlison. Procurava um centroavante para jogar como pivô e ser parceiro de Neymar por dentro. Tentou Gabriel Jesus, Matheus Cunha e Gabigol. Nenhum deles foi eficiente. O Pombo foi. Tanto que virou titular absoluto e ganhou até a camisa nove. Uma camisa pesada. Ronaldo foi o último a, de fato, honrá-la numa Copa. Aliás, o último gol de um camisa 9 em mundiais foi o de Fred contra Camarões, na fase de grupos de 2014. Melhor nem falar muito dessa Copa. Avancemos.
Richarlison sabe do tamanho do desafio de assumir a camisa de Ronaldo. Admite que ela pesa, mas se diz capaz de sustentá-la com os gols. Os mesmos com que cavou um lugar na Seleção. Quando nem estava nela e quando ficou de fora. Para alguém que saiu de Nova Venécia e virou ídolo na Inglaterra, isso parece ser só mais um desafio. Fez isso sem perder a essência. Nesta semana, aqui em Doha, um repórter do The Sun pegou o microfone para perguntá-lo.
— Respondo em inglês? — indagou ele ao assessor da CBF.
Os jornalistas brasileiros reagiram com um longo "óóóó".
— I speak english, my friend — reagiu o Pombo, provocando gargalhadas gerais.
A resposta veio em português. Mas ele já havia deixado sua marca, de um sujeito rústico, divertido e de alma leve. O que, convenhamos, é adequado para um centroavante. O nosso centroavante no Catar.