Iarley foi um dos grandes nomes da conquista do Mundial. A jogada do gol de Gabiru, com drible em Puyol, a retenção da bola por longos minutos no final da partida, o eternizaram no clube. O cearense de Quixeramobim estreitou tanto a relação com o Inter que ficou por aqui e criou raízes.
Agora, às vésperas da Feira do Livro, um dos patrimônios da nossa cidade, Iarley lança um livro em que conta às minúcias daqueles 18 dias de loucura vermelha e de uma ponte que ligou o Beira-Rio a Yokohama. O pré-lançamento da obra será nesta sexta-feira, pelo site www.pedroiarley.com. Na Feira, a sessão de autógrafos será dia 13, às 19h. Iarley, agora técnico e esperando propostas para iniciar na nova carreira, conversou com a coluna. Confira.
Quando você resolveu colocar no papel a conquista do Mundial?
Na realidade, já estava no papel, mas era um material bruto. Tinha gravado áudios, e o Rodrigo (Russomano, assessor de imprensa) ia transcrevendo. Nesse meio tempo, o Rodrigo chegou a perder o computador, tivemos de refazer tudo. Tínhamos o pensamento de lançar nos 10 anos da conquista, mas veio o rebaixamento.
Nesse meio tempo, entrou uma outra equipe no projeto, do editor Tiago Antunes, para a gente pegar entrevistas de personagens, jogadores e jornalistas. Fomos melhorando o livro. Esse tempo de espera me ajudou porque fomos sofisticando. A capa, por exemplo, mudou. Foi um período de amadurecimento para o projeto se tornar mais interessante ainda.
Essa ideia surgiu ainda durante o Mundial?
Foi logo em seguida, quando voltei para Porto Alegre. Estava de férias em Fortaleza, na praia, e liguei para o Rodrigo Russomano. Conversamos e comentei com ele da ideia. "Olha, a gente tem de fazer um livro dessa conquista, tem muito bastidor e tal." Logo, comecei a gravar depoimentos meus e a passar para ele que transcrevia.
Você já havia ganho o Mundial de Clubes com o Boca, três anos antes. Por que esse com o Inter foi distinto?
Foi diferente. A conquista com o Boca serviu muito para o lado psicológico. Eu já era um cara experiente, tinha jogado um Mundial, vivido aquele cenário, o mesmo estádio, o mesmo ambiente. Também havia ganho de um gigante, do Milan do Ancelotti, do Kaká, que viria a ser melhor do mundo também. Essa vitória serviu para eu mostrar ao grupo que era possível sonhar, acreditar. Éramos merecedores, pela torcida, pelo clube, pelo ano que tivemos. Nada é por acaso, assim defino minha vinda para o Inter.
Muitas histórias são conhecidas, como sua permanência no aeroporto de Paris com Vargas e Hidalgo, que não puderam ir descansar no hotel. Há alguma passagem no livro que não tenha sido noticiada na época?
Tem uma reunião antes da final do Mundial, conto sobre ela. A gente faz um coletivo antes de enfrentar o Barcelona, e o treino não sai tão bem como o Abel (Braga) esperava. Aí, eu vou no quarto do Fernando (Fernandão) e converso com ele um pouco, debatemos, discutimos algo e levamos o nosso pensamento para o Abel. No treino seguinte, ele fez as correções. Não sei se levou em conta, acho que até ele já tinha bem em conta algumas mudanças, como o caso do Alex, que estava mal posicionado, e ele corrigiu. Graças a Deus, começou a dar certo.
O Índio, que estava do lado dele, não deixou barato e começou a gritar também: "Aqui não. Aqui é Inter", Vamos, Inter". Foi muito interessante.
IARLEY
sobre o acesso ao campo antes da disputa do Mundial
Você, em uma conversa lá atrás, me contou sobre uma batalha de gritos no acesso ao campo, instantes antes do jogo. Inclusive, me relatou que o olhar do Edinho era de meter medo.
A gente estava perfilado para entrar, ainda no túnel. O Puyol começou a gritar para os companheiros dele coisas do tipo "Vamos", "Vamos com tudo". O Índio, que estava do lado dele, não deixou barato e começou a gritar também: "Aqui não. Aqui é Inter", Vamos, Inter". Foi muito interessante.
Você jogou por um tempo no Real Madrid B. Já havia enfrentado alguns daqueles jogadores do Barcelona?
Já conhecia o Puyol, o Xavi. Dessa galera, a gente era rival. Tinha jogado dois clássicos contra eles, com uma vitória para cada, no Miniestadi e no Santiago Bernabéu. Amigos meus me confidenciaram depois que o Barcelona tinha prêmio extra para ser campeão do mundo sobre o Inter porque era um título que o Real já tinha, e eles, não. Por isso, eles queriam muito aquela conquista, tinha uma grana pesada prometida.
Me lembro de ter feito a cobertura da sua chegada a Porto Alegre, em 2005, numa sexta-feira à noite. Era o único jornalista lá e, na conversa rápida comigo, você me disse que não estranharia a vida por aqui. Afinal, era até adepto do chimarrão.
Pois é, da maneira como me adaptei à Argentina, ao Boca, aconteceu no Inter e em Porto Alegre. Bom, estava indo para um time do meu país. Eu tinha um companheiro no Paysandu, o Luiz Fernando, lateral-esquerdo, que era gaúcho. Dividíamos quarto e aprendi a tomar chimarrão com ele. Viciava, não parava mais de tomar. Fui para a Argentina e aquilo me serviu, me ajudou.
Já foi um cartão de apresentações?
Na hora em que chego ao vestiário do Boca, já chego quebrando o pau. Começaram de tititi no cantinho e, como eu dominava o espanhol, entendi tudo. Como tomava chimarrão, eu cresci na parada. Falei para eles "Ó, amanhã, eu vou trazer a cuia e o chimarrão e as medialunas." Ficaram todos me olhando e certamente pensaram: "Esse cara não é bobinho, que não vai dar certo". Cheguei chegando, com autoridade, mostrando que eu sou um cara humilde, e isso faz parte da minha personalidade, mas que tenho valor. Em todos os clubes dei certo por ser trabalhador, ter esse valor, ser muito profissional.
Claro que isso só cresceu, ainda mais depois do gol no clássico com o River. Vi um documentário em que o Cagna, volante, líder do grupo, brinca com você ao chegar ao estádio para o jogo: "Tudo bem, brasileiro?"
Acontece que, para aquele jogo, o Tévez e Guillhermo Barros Schelotto estavam machucados. Os jogadores chegaram em mim e disseram: "Brasileiro, agora é contigo. Vai lá e decide para nós". Eu respondi: "Fica tranquilo que vou decidir". Foi 2 a 0, fiz um gol que foi apontado como um dos mais bonitos da história do superclássico. Depois disso, não podia mais sair na rua. Cheguei até a ter escolta.
Você sonha com o Mundial, com esses dias relatados no livro?
Sonho. De de vez em quando, cara, tenho alguns sonhos. Principalmente que estou na comemoração. Acho que foi o mais marcante porque, no momento em que o juiz apita o final, dá aquela explosão, mexe com a cabeça da gente, é muito sentimento, emoção. Então, sonho que estou correndo par abraçar o Gabiru, chegando no avião e vendo o Beira-Rio lotado...
Agora, a pergunta que sempre te fazem: por que você deu a bola para o Gabiru em vez de dar para o Luiz Adriano?
Porque o Gabiru estava melhor colocado. Na hora, ninguém presta atenção em nada além da condição para receber a bola. Muitos perguntam se foi porque ele era mais experiente. Você nem pensa nisso no momento. Mas, mais detalhes de tudo, eu conto no livro (risos).