Mais do que camisas tradicionais, Grêmio e Inter enfrentarão nesta retomada da Libertadores adversários com modelos diferentes de gestão. O chileno Universidad Católica tem ações na bolsa desde 2009. Sua administração fica a cargo da Cruzados e segue uma lei que tornou os clubes em empresas. Já o América de Cali tem um supermercadista como dono, que o resgatou das sombras depois de duas décadas sob poder da família Rodríguez Orejuela, que comandava o Cartel de Cali.
O clube do verdureiro
Túlio Gómez vive uma relação de amor e ódio com a fanática torcida do América. É ele o dono do clube há cinco anos, o "mandamás", como se diz no espanhol aqui da América do Sul. Dono da rede de supermercados Super Inter, uma rede de 30 lojas que começou com um armazém em Manizales e hoje se espalha também pela região de Cali, Túlio começou como um investidor discreto no clube e, em 2015, se tornou dono de boa parte das ações. Foi ele que resgatou o America do buraco em que se enfiou a partir do distanciamento com a família Rodrigues Orejuela, que comandava o Cartel de Cali.
Em 1995, o América foi incluído na Lista Clinton, uma relação de empresas e entidades ligadas ao narcotráfico e que acabaram impedidas de fazer qualquer negócio. Essa foi uma das etapas da ofensiva para desmontar o cartel.
O América ainda ganhou o campeonato nacional de 2008, com um time jovem e sem jogadores de renome. Nada próximo dos anos 1980, quando chegou a ter 150 jogadores e formava seleções com estrelas sul-americanas. Não à toa foi três vezes vice da Libertadores, entre 1985 e 1987. Em 2012, o clube caiu para a Série B. Estava quebrado e permaneceu por lá até 2016. Foi nessa época que Túlio se aproximou. Nesse mesmo ano, o América saiu da Lista Clinton.
Túlio entrou no futebol estimulado pelo cunhado, dono do Independiente Medellín. Decidiu levar seu sucesso como supermercadista para o futebol. Afinal, alguém que começou com um pequeno armazém em Manizales havia virado, 20 anos depois, em um dos principais empresários do país. Ele colcou o América em seu lugar, mas as trocas de técnicos seguidas e os erros nas contratações nos primeiros dois anos na Série A provocaram a ira da torcida e de comentaristas mais ácidos, que não viam como um "verdureiro" poderia levar uma camisa pesada ao sucesso.
Em 2019, Túlio contratou um gerente esportivo, colocou sua filha na direção e usou de dados e inteligência para contratar jogadores e buscar na Costa Rica o técnico Alexandre Guimarães. O América, depois de 11 anos, conquistou um título, a 14ª estrela. Mas, com a crise provocada pela pandemia, teve de rever custos. Guimarães foi trocado pelo argentino Juan Cruz Real, 43 anos e trajetória discreta. Jogadores importantes saíram, como o centroavante Michael Rangel, destaque no título e que voltou ao Júnior. Duvan Vergara tem ofertas e pode sair. É esse olhar firme no caixa que faz a relação entre a torcida e o dono ser sempre de tensão. "O futebol é um lugar complexo. Todos ganham dinheiro, os jogadores, os empresários, os técnicos, menos o dono", disse Túlio em entrevista ao El País da Colômbia.
Católica privada
Desde 2009, a Universidad Católica atende no mercado como Cruzados SADP (Sociedade Anônima Desportiva Profissional). O que significa isso? Para a torcida, segue sendo a Católica, um dos três gigantes do futebol chileno. Para os gestores, no entanto, trata-se de uma empresa, com ações na bolsa e regras rígidas a serem seguidas, conforme estabelece a Lei 20.019, de maio de 2005.
Aqui, vale um recuo no tempo. O futebol chileno decidiu enveredar para a administração empresarial na metade da década passada, quando o Colo-Colo decretou falência. O presidente do Colo-Colo na época, Peter Dragicevic, acusa o hoje presidente do país, Sebastián Piñera, de estar por trás disso. Como senador, Piñera articulou a revisão da lei que aumentou o valor dos impostos de clubes de futebol, o embrião para o surgimento das SADPs, que repassava das entidades associativas para empresários o comando dos clubes.
Em 2005, um ano depois de perder a eleição para Michele Bachelet, Piñera se tornou o maior acionista da Blanco y Negro, a S/A do Colo-Colo. Mesmo depois de se tornar presidente, em 2010, ele seguiu como principal acionista do clube, o que acabou provocando conflito de interesses quando ele tentou interferir as eleições da ANFP, a federação chilena. Hoje, na elite, apenas o Curicó Unido é um clube associativo, embora tenha, para se enquadrar à lei, criado uma empresa para diferenciar o futebol da porção social.
Mesmo com a adoção de modelos empresariais, o futebol chileno não conseguiu grandes êxitos em nível continental. A Universidad de Chile, administrada pela Azul Azul, ganhou uma Copa Sul-Americana, em 2011, e o Colo-Colo foi vice em, 2006. Porém, como frisa o repórter Rodrigo Fuentealba, do jornal La Cuarta, hoje os administradores respondem com seus bens em caso de quebra dos clubes. Ao contrário do que se passava antes. Neste momento, a Católica é a "empresa" mais robusta no futebol chileno. É quem contrata os melhores jogadores e tem situação financeira mais estável. Porém, ainda busca voos além dos Andes.