São 32 quilômetros de distância e um século de diferenças a separar Borussia Dortmund e Schalke 04. Dortmund e Gelsenkirchen são interligadas pelo Rio Emscher, mas é bom não misturar o amarelo e o azul dos dois clubes sob pena de provocar uma pororoca na Renânia do Norte-Westfália. Esses dois clubes jamais se sentarão à mesma mesa. São rivais.
Você, que mora do Mampituba para baixo, entende bem do que estou falando. Sim, Borussia x Schalke, o principal jogo da retomada da Bundesliga, é um Gre-Nal em alemão.
Ele é tão importante no país da minha ídolo Angela Merkel que é tratado como mais do que um clássico. Para os germânicos, é o Revierderby. Ou, mais do que isso, "A mãe de todos os derbis". A Rádio Gaúcha, claro, vai transmitir esse jogaço, a partir das 10h20min.
Rivalidade
Para entender essa rivalidade toda é preciso recuar um bocado no tempo e mergulhar nas origens locais. O Vale do Ruhr, principal região da Renânia do Norte-Vestfália, virou o coração industrial da Alemanha a partir da metade do século 19, quando ali foram descobertas minas de carvão. Depois, foram encontradas jazidas de ferro.
A partir daí, o Vale do Ruhr passou a ser o motor do país. Gelsenkirchen, a cidade do Schalke, se notabilizou pela exploração do carvão. Dortmund, pelo ferro e pela indústria do aço. Em comum, ambas se tornaram o destino de trabalhadores de todos os cantos do país e também do leste, principalmente, poloneses que buscavam emprego e esperança.
Onde há trabalhador, você sabe, há futebol. Por isso, o Schalke foi fundado em 1904, por um grupo de garotos protestantes, e logo criou vinculação com sindicato dos operários das minas. O Dortmund veio em 1909, numa dissidência de garotos católicos, insatisfeitos com a forma como pároco local conduzia as partidas.
Os trabalhadores na indústria do aço, é claro, adotaram o clube como seu. Mas preste atenção. As diferentes linhas religiosas dos fundadores acabou por criar a primeira diferença entre os dois clubes.
Porém, a rivalidade se recrudesceria a partir da ascensão do nazismo. Adolf Hitler percebeu no apelo do Schalke junto à massa trabalhadora um grande trunfo populista. Investiu pesado no clube e fez dos seus êxitos esportivos uma das bandeiras do seu regime.
O dinheiro nazista fez o Schalke se tornar uma potência no futebol alemão. Tornou-o tão forte que, ainda hoje, o clube é dono de uma das maiores torcidas do país, embora Gelsenkirchen tenha 260 mil habitante apenas — menos da metade do 580 mil de Dortmund.
Entre 1933 e 1942, o Schalke venceu seis vezes o Campeonato Alemão. Ou seja, seis em 10. A sua sétima taça viria apenas em 1958. O Dortmund, por outro lado, era contrário ao nazismo. Alguns de seus dirigentes foram perseguidos pela Gestapo e nunca mais vistos.
Peculiaridades
Diferenças à parte, os dois clubes cresceram vitaminados pela paixão que só os trabalhadores são capazes de alimentar pelos seus clubes. O Vale do Ruhr é uma região com características próprias. Não imagine ali encontrar a típica arquitetura alemã. Nada disso. A paisagem é composta por prédios de linhas retas e funcionais.
Se na Baviera ou em outras regiões da Alemanha prédios atingidos na Segunda Guerra foram reconstruídos resgatando suas características originais, em Dortmund e em Gelsenkirchen, a necessidade falou mais alto.
Como, pelas características de suas linhas de produção, abrigavam também a indústria de armamentos, as duas cidades e as vizinhas, como Essen, Bochum e Duisburg, foram destruídas pelas forças aliadas. Ao final da guerra, era preciso dar moradia para os trabalhadores que restaram. Como havia pressa, tudo foi erguido sem muitos floreios.
O Vale do Ruhr avançou, viu seus parques industriais crescerem. O carvão, hoje, é apenas peça de museu. A última mina foi fechada em dezembro de 2018, em uma solenidade marcada pelo respeito e pelo agradecimento. Afinal, o carvão impulsionou o país por dois séculos e fez dele uma das maiores potências do mundo.
Porém, a essência da região segue intocada. Nada dos ares cosmopolitas de Berlim, Hamburgo e Munique, por exemplo. Longe disso. A região é reconhecida pela simplicidade, pelo prazer encontrado em uma combinação simples de boa cerveja, pão com linguiça e futebol. Dortmund até se tornou uma cidade multifacetada, com museus, bons restaurantes e agitação noturna. Mas sem abrir mão de sua veia operária.
Raízes
É por causa dessas raízes que Schalke e Borussia ostentam hoje os maiores setores populares da Alemanha em seus estádios — que lotam sempre, afinal, vendem 40 mil carnês na abertura da temporada. A Veltins Arena, do Schalke, reserva para as populares 16,3 mil lugares dos seus 62,2 mil.
O Signal Iduna Park vai além e reserva 28,3 mil dos 81,3 mil lugares para a Muralha Amarela, como é conhecida a torcida posicionada na arquibancada sul. Aliás, a Muralha fica no setor sul porque, na Veltins Arena, os ultras do Schalke ocupam o setor norte.
A rivalidade não para por aí. Na loja do Borussia, os caixas de pagamento pulam do três para o cinco. Afinal, o Schalke é o 04. O clássico, como o nosso Gre-Nal é um campeonato à parte. Alguns deles, estão na história. Na temporada 1991/1992,o Schalke venceu o rival por 5 a 2, pela quinta rodada. O Borussia perdeu o título daquele ano para o Stuttgart no saldo. Pelos três gols levados no clássico.
Em 2007, o troco. O Schalke estava perto de conquistar pela primeira vez a Bundesliga. Veio o clássico, na antepenúltima rodada. O Borussia venceu e abriu caminho para o Stuttgart ser campeão. O último Revierderby histórico foi o primeiro da temporada 2017/2018. O Dortmund foi para o intervalo com vitória de 4 a 0. No segundo tempo, o Schalke reagiu. O 4 a 4 veio aos 9 do segundo tempo, gol do zagueiro brasileiro Naldo.
O clássico deste sábado será sem torcida, com protocolos sanitários rígidos e os olhares do mundo para saber como driblará o coronavírus. Tomara que a alma operária de Schalke e Borussia prevaleçam e nos mostre que, com fibra e perseverança, podemos superar essa pandemia. Se for com gols, melhor ainda.