O volante Maicon, capitão do Grêmio, ganhou na Justiça valores referentes à cobrança de adicionais noturno e de domingos trabalhados em ação contra o São Paulo. O ex-zagueiro Paulo André, atual diretor do Athletico-PR, também obteve decisão favorável em processo semelhante contra o Corinthians, mas entrou em acordo e retirou a reclamatória. Fato é que os dois casos geraram surpresa e até espanto nos torcedores.
Afinal, o futebol, por sua natureza aqui no Brasil, dificilmente foge de jogos noturnos ou do domingo, seu dia sagrado no mundo todo. A reação mais extrema foi do presidente do Corinthians, Andrés Sanchez, que disse ter avisado a Rede Globo de que, no Brasileirão, nada de colocar seu time nesses dois horários.
Claro que Sanchez, hábil, tentou desviar o foco do noticiário que se debruçava sobre as contas e o balanço do seu clube. Porém, a discussão jurídica em torno dos adicionais alertou dirigentes e torcedores. Por isso, a coluna foi ouvir Eduardo Carlezzo, um dos principais especialistas em direito esportivo sobre o tema. Confira:
Como o senhor analisa essa cobrança de adicionais pelos jogadores na Justiça?
Primeiro, o fundamental é que se trata de um entendimento que, para ser jurisprudente, é preciso que tenha uma análise do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Imagino que esse tribunal, ao analisar essa ação levará em conta, sempre, a peculiaridade do trabalho de jogador de futebol, a especificidade da relação esportiva. Entenderá que jogar às quartas-feiras à noite e aos domingos fazem parte do contexto, da natureza da relação entre empregado e empregador e natureza da profissão, não havendo nenhum tipo de adicional necessário. Não se pode comparar a relação do empregado do futebol com outros segmentos, pelas especificidades da profissão.
Quais especificidades você listaria?
O jogador tem 5% de direito de arena, o jogador recebe direito de imagem. Não me ocorre, por exemplo, de qualquer outra profissão em que exista concentração, em que o empregado fique no dia anterior concentrado para realizar suas atividades. Também temos de considerar, dentro das especificidades da relação, que a Lei Pelé determina que a jornada de trabalho do jogador será de 44 horas semanais. Se calcularmos por horas diárias de trabalho, os atletas não cumprem essa carga. Até porque o corpo não permite. E para que o jogador não se exponha a lesões e se mantenha em alto nível para atuar. Por todas as questões previstas na CLT, na Lei Pelé e, sobretudo, pela especificidade do futebol, é excessivo demandar pagamento de adicional por atuar à noite e nos domingos.
É possível o clube evitar essas ações incluindo alguma cláusula no contrato dos jogadores?
E bom frisar que são decisões ainda isoladas. Isso ganhará corpo e só se saberá se são direitos previstos apenas se o TST referendar a decisão. Ainda entendo que o TST vai apreciar e afastar essa necessidade de se pagar adicionais noturnos e por domingo trabalhado. Sobre sua pergunta, não é possível afastar essa possibilidade de cobrança através do contrato. São direitos previstos em lei, para o trabalhador normal, estão na CLT. Por isso, por contato, é impossível que se afaste a reivindicação desse direito.
É possível prever uma onda de ações desse tipo, já que tivemos o caso do Maicon contra o São Paulo e do ex-zagueiro Paulo André contra o Corinthians com decisões favoráveis?
É possível, se abre um canal para demandas dos atletas. Nós veremos isso, através de atletas que pretendem cobrar do clube salários atrasados, eventualmente, algum direito de imagem ou área. Fatalmente, seus advogados incluirão, nos pedidos, uma condenação pelos não pagamentos de adicionais noturnos e os domingos trabalhados.
Há alguma outra saída aos clubes ou eles terão de esperar sair uma súmula do TST relativa a essa demanda dos adicionais?
Os clubes estão de mãos amarradas. Nesse exato momento, não podem fazer nada. O futebol se disputa de noite e aos domingos, é a essência dele. Uma proteção viria de duas maneiras: modificação na Lei Pelé, na qual se introduzisse claramente que não se aplica ao atleta de futebol a necessidade de adicional por jogar à noite e aos domingos, ou, o mais difícil, acordo coletivo com o Sindicato dos Atletas. Mas acordo coletivo no futebol nunca ocorreu. Nem agora, na pandemia, em que era preciso uma unidade, houve um acerto entre todos.