Um ano, na carreira de um jogador, pode parecer pouco. Mas é tempo suficiente para mudar uma vida inteira. As histórias abaixo comprovam muito bem isso.
31/1/2019 — Aldemir dos Santos Ferreira era só mais dos tantos nomes desconhecidos que engrossavam as listas de coadjuvantes do Gauchão. Com a camisa 21 do Aimoré, entrava aos 43 minutos do segundo tempo contra o Avenida, no lugar de Nuno. Era a sua estreia no clube do Vale do Sinos, pouco mais de 20 dias depois de ser emprestado pelo Grêmio, onde vivia praticamente nas sombras. A passagem pelo Cristo Rei, no entanto, pouco alterou essa situação. Foram mais três jogos. Em um deles, contra o Juventude, entrou aos 13 do segundo tempo. Contra a dupla Bra-Pel, esquentou o banco de reservas.
31/1/2020 — em seu apartamento no Jardim Europaoma, o café da manhã curtindo ainda uma noite que bem poderia ser sem fim. Horas antes, ele havia saído do banco de reservas e criado a jogada do gol da virada do Grêmio sobre o São José. O gol foi de Everton, mas todos foram abraçar Ferreira pela ousadia de driblar e, de fora da área, acertar o poste na origem do lance. Ao final, a torcida também reconheceu o guri de 22 anos e o aplaudiu de pé enquanto se dirigia ao vestiário.
Os personagens acima são exatamente o mesmo jogador. Na verdade, nem tão exatamente assim. Por que Ferreirinha, como é chamado de forma afetuosa pelos gremistas, passou em uma temporada de jogador dispensável a nova joia lapidada pelo Grêmio. No verão passado, sua vida estava engolfada por uma nuvem de incerteza. No primeiro semestre de 2018, havia disputado o Paranaense pelo Toledo e a Série D pelo Cianorte. No segundo, atuou pelo time de transição do Grêmio na Copa Wianey Carlet. Quase sempre era chamado do banco. Mesmo assim, fez dois gols. O Aimoré surgiu como a chance de aparecer no Gauchão e abrir algumas portas, já que seu contrato na Arena acabava em setembro de 2019. E o cenário esfarelava qualquer chance de renovação.
Uma má notícia nunca vem sozinha. Uma fascite plantar, igual à sofrida por Luan, impedia Ferreira de treinar e jogar a pleno. O Aimoré, assim, o devolveu ao Grêmio. Mais ou menos nessa época, um amigo mudou a trajetória do atacante. Tetê, recém negociado com o Shakhtar, indicou o companheiro de quarto no time de transição ao seu agente, Pablo Bueno.
— Ele é firmeza, Pablo, é guerreiro como a gente, não é deslumbrado — afiançou Tetê ao empresário.
Pablo, 35 anos, é o responsável por guiar Tetê, hoje tratado como novo diamante no Shakhtar. Trata-se de um sujeito simples, cuja casca ficou espessa nas ruas de Alvorada. Os dois se conheceram ali. Os pais dos dois são amigos de longa data, e Pablo, 16 anos mais velho, foi quem guiou Tetê nos primeiros passos no futebol. Buscou um empresário para cuidar do guri que via como um projeto de craque. Depois de muitas portas se fecharem, Tetê, do alto dos seus 12, 13 anos, sugeriu:
— Se ninguém quer apostar, vamos nós dois juntos, mano!
Tetê abriu as portas do futebol para Pablo, que até deu seus chutes na base do Grêmio, mas as distrações o tiraram do caminho. As lições que a vida lhe deu, ele repassa para os guris que agencia. Não são muitos. Mas em comum o fato de todos serem do Grêmio, o seu clube do coração. A fórmula usada com Tetê foi repetida com Ferreira. O resgate do atacante começou com uma solução para as dores da fascite plantar. Pablo bancou um tratamento com células tronco. A lesão foi vencida. O passo seguinte foi convencer o Grêmio a dar uma nova chance. Os dirigentes da transição toparam observá-lo nesses seis meses finais de vínculo.
Ferreira conhecia as asperezas do Interior, nos empréstimos por São Luiz, Toledo, Cianorte e Aimoré. A estrutura oferecida pelo time de transição tinha brilho de ouro. Fora de campo, o guri passou a seguir algumas exigências feitas por Pablo. A primeira delas foi trocar os fast foods e refrigerantes por uma dieta elaborada pela nutricionista do clube. A segunda, foi fazer um trabalho físico complementar nas horas de folga. A terceira e, mais evidente, foi ouvir o conselho para que deixasse de driblar em zonas mortas do campo.
Habilidoso, o guri insistia nas jogadas individuais longe da área e parecia sem a ambição do gol. Essa, talvez, tenha sido a mudança que salvou a sua carreira. No Brasileirão de Aspirantes, Ferreira ouviu os conselhos e passou a jogar de forma vertical. Vieram os 11 gols na competição, os dois na Copa Seu Verardi e a renovação do contrato até metade de 2021. As atuações contra Cruzeiro e Goiás no final do Brasileirão abriram as portas do vestiário de Renato. Neste fim de semana, Ferreira volta ao Cristo Rei. O mesmo estádio que o viu chegar sem grandes perspectivas no verão passado o recebe, agora, como a mais nova joia gremista. O Aldemir Ferreira, agora, é Ferreirinha.