Os chineses do Guangzhou Evergrande perceberam na fronteira do Brasil com o Uruguai um DNA raro de jogador de futebol, fruto da mistura da nossa qualidade técnica com a garra charrua. Por isso, em vez de comprar jogadores nascidos ali, resolveram eles próprios formar. Representantes do Evergrande estão em conversas adiantadas para fomentar um clube na América do Sul.
No começo de agosto, emissários chineses atravessarão o mundo para nova rodada de negociações. O projeto é audacioso. O primeiro passo será reativar de forma competitiva o Frontera Rivera, cujas participações hoje são limitadas a disputas regionais do Uruguai. A meta é colocá-lo, em três anos, no campeonato nacional.
Enquanto isso, o Evergrande tocará a construção de um CT em área pertencente ao clube nas imediações de Rivera, com direito a hotel e estádio. O local abrigará as categorias de base e servirá como laboratório. O plano, conforme confidenciaram os representantes do Evergrande, é trazer a cada semestre grupos de 100 a 150 garotos chineses para intercâmbio na fronteira.
— Recebi visita do consulado geral de Guangzhou, que me informou da intenção deles de se instalar aqui e das interações com o Frontera Rivera. Disse que estávamos às ordens — revela o intendente de Rivera, Marne Osorio.
Como tudo o que acontece do lado uruguaio repercute no brasileiro, Santana do Livramento também lucrará com a chegada dos chineses. Os emissários procuraram o 14 de Julho dispostos a usar o Estádio João Martins como sede provisória. Há até esboço de projeto para melhorias na estrutura do clube.
O estádio ganharia ala com alojamentos, refeitório e cafeteria para abrigar os garotos chineses de dois a três anos. Salas de reuniões e para a administração seriam construídas. O gramado também passaria por reforma. Hoje licenciado, o 14 de Julho ganharia ajuda para quitar dívidas, estimadas em R$ 1 milhão, e apoio para voltar às competições.
O Guangzhou Evergrande é um gigante numa terra de gigantes. O futebol chinês é vitaminado pelo estímulo do governo e embalado pelo dinheiro de grandes conglomerados. Como o Evergrande Group, o 138º colocado no ranking das 500 maiores corporações mundiais. Seus braços atuam no mercado imobiliário, nas indústrias petrolífera e do turismo e na área da saúde. Além, é claro, do futebol.
A estrutura que os chineses pretendem instalar na Fronteira da Paz se espelha no projeto que eles já desenvolvem em casa. Fisioterapeuta do clube nos três anos em que Felipão esteve lá, o gaúcho Feliciano Bastos conheceu o CT da base do Evergrande nas imediações de Guangzhou.
O local alberga cerca de 3 mil garotos com idades entre os 12 e os 18 anos em instalações de padrão "mais elevado que o europeu", segundo ele. Há escola, alojamento, centro médico e campos de sobra para todas as categorias. O CT da base, segundo Feliciano, chegava a ser melhor até do que o dos profissionais.
— A meta do clube era, até 2030, exportar jogadores e não mais importar — revela o fisioterapeuta.
Talvez muitos deles já saiam da fábrica chinesa com o DNA fronteiriço que mistura a garra charrua à qualidade técnica brasileira. Tempo para que eles aprendam o futebol doble chapa há de sobra. Assim como dinheiro.