Foram 24 horas de viagem até chegar a Porto Alegre. Nada de cansaço ou fastio. O Monagas curte ao máximo a sua primeira Libertadores, fruto da conquista do Apertura venezuelano em 2017.
A viagem para o Brasil foi a terceira internacional em 30 anos de vida. Em 2002, foi a Buenos Aires enfrentar o San Lorenzo e, em 2012, ao Equador pegar o LDU. Ambos os jogos foram pela Copa Sul-Americana, e o sonho durou só a primeira fase. A tendência, agora, é de que também acabe logo. A estreia foi com derrota de 2 a 0, em casa, para o Cerro Porteño.
O momento do time está longe de ser o melhor. O Monagas não vence desde 27 de janeiro. São 11 jogos sem ganhar e a 16º posição entre 18 clubes no Apertura. Nada que abale o otimismo.
O técnico Jhonny Ferreira exalta que seu time chega para pegar o Grêmio em seu melhor momento em 2018. Mas ele também sabe que essa Libertadores é só mais um passo na construção do clube e do futebol venezuelano.
A seguir, conheça o rival gremista em sete toques.
Do governo para um dono
Como forma de impulsionar o futebol na Venezuela, o governo de Hugo Chávez construiu seis estádios para a Copa América 2007 e articulou a criação de uma liga com clubes de todos os cantos do país. Com dinheiro estatal, os governos locais administrariam as equipes e os estádios. Com o passar dos anos, o agravamento da crise e as trocas de comando nos Estados, os clubes passaram a viver na instabilidade. O Monagas é o exemplo. Definhava quando caiu para a Segunda Divisão em 2013. Voltou em 2015 e lutava contra o rebaixamento quando o empresário Nicolás Fernández assumiu o comando em 2016. O Monagas subiu na tabela, chegou aos mata-matas e, no ano seguinte, conquistou o Apertura e o título da temporada, ao vencer o Deportivo Lara. Desde o início de 2017, a gestão se batizou como "La Nueva Era".
Restaurantes, terras e futebol
Nicolás Fernandez é um empresário da província de Monagas, cuja capital é Maturín. Entre seus negócios, estão uma cadeia de restaurantes e fazendas. Também tem investimentos no Exterior. Ninguém no clube avança mais do que isso. O certo é que Fernandez, pela boa relação com o governo, seguiu uma tendência no futebol local, de empresários jovens e bem-sucedidos assumirem os clubes e impulsionarem, com dinheiro privado, o futebol no país. Seguem esse modelo de administração o Deportivo Lara, o Tachira, o La Guaira, o Carabobo e o Mineros de Guayana.
Aposta na base
O olhar dos empresários venezuelanos para o futebol está longe de ser motivado pela bondade. Trata-se de uma estratégia muito clara de negócios. Todos os clubes apostam na formação de jogadores para vender ao Exterior. A partir de 2007, o campeonato nacional se organizou e passou de 10 para 18 times na Primeira Divisão. As categorias de base também estão estruturadas. A Copa Ouro conta com times e academias de todo o país nas categorias sub-14 até sub-20. O Monagas conta com todas as categorias a partir das escolinhas. A organização das categorias de base mostrou resultado no último Mundial Sub-20, na Coreia do Sul, em 2017.Os venezuelanos só caíram na final, para a Inglaterra. Dos 21 jogadores, 15 foram negociados com clubes estrangeiros.
Futebol S/A
Nicolás Fernandez, assim que assumiu o clube no segundo semestre de 2016, importou o argentino Daniel Cesca para gerenciar os meninos até o sub-16. A partir do sub-18, todos ficam sob a guarda do técnico do time principal, Jhonny Ferreira. O clube ainda conta ainda com uma filial na terceira divisão. No ano passado, o atacante Luis Cariaco González foi jogar no Dallas F.C., emprestado. Voltou para a Libertadores e para ocupar o lugar de Anthony Blondell, 23 anos. Os 24 gols na temporada passada o levaram para o Vancouver Whitecaps, também da MLS.
Guerreiros Chaima
O futebol reina soberano em Monagas. Não há no "Oriente', como dizem os venezuelanos, uma equipe de beisebol. O basquete, outro esporte popular no país. conta apenas com um time mediano em Maturín. Ele até joga a liga nacional, mas sem protagonismo. Por isso, o Monagas S.C. é a grande paixão local. No país, os torcedores são conhecidos como Guerreros Chaina. O apelido vem pela entrega do time nos jogos. Os chainas formavam a tribo que habitou a região e está na origem da população oriental da Venezuela. O clube aprecia o espírito de batalha. Em 2017, a nova gestão renovou o escudo e inseriu nele a silhueta de Juana Ramírez, ou "La Avanzadora", guerreira que participou da guerra da independência de Venezuela.
Às compras
No ano passado, quando o Zamora veio a Porto Alegre enfrentar o Grêmio, a cena já foi vista. Alguns jogadores do Monagas, como fazem todas as delegações estrangeiras, aproveitaram a folga para um passeio no shopping e algumas compras na farmácia. Sim, a crise venezuelana e a batalha com os empresários fazem escassear alguns produtos nas prateleiras. Os itens de higiene estão entre eles. Quem tem para vender, se aproveita da alta demana e eleva os preços. Por isso, os jogadores costumam levar pequenos estoques para casa.
Trio estrangeiro
Os clubes venezuelanos podem contar com até quatro estrangeiros _ e usar três ao mesmo tempo. O Monagas conta três argentinos, os zagueiros Lucas Trejo e Joaquin Lencinas e o atacante Joan Voglioti, um colombiano, o volante Dager Palacios. O trio de hermanos é rodado em clubes de divisões menores da Argentina e por mercados secundários do continente. Palacios atuou sempre na primeira divisão colombiana. Trejo é considerado o "general" da defesa do Monagas. A aporta de Jhonny Ferreira, no entanto, está nos dois atacantes venezuelanos importados para 2017, Luis Cariaco González, que voltou da MLS, e Jhonder Cádiz, repatriado do Moreirense-POR. Ambos, no entanto, estavam sem atuar e ainda buscam o melhor ritmo. Essa, segundo Ferreira, é uma das razões para o baixo rendimento do time em 2018.