Valdo Cândido Filho foi um meia de futebol clássico e fôlego interminável. Tanto fôlego que foi parar no Congo-Brazzaville, um país de 4,5 milhões de habitantes espremido entre a República Democrática do Congo, o Gabão, Camarões e a República Centro-Africana. O ex-jogador do Grêmio e da Seleção, aos 53 anos, topou o desafio de fazer vicejar o futebol no Congo.
Desde junho, Valdo comanda o Centro de Formação de Futebol, um CT de padrão europeu erguido pelo presidente Denis Sassou Nguesso em Brazzaville, a capital do país. Sua missão é garimpar pelo Congo jogadores sub-17 e sub-20, levá-los para o CT e criar uma base visando à Copa de 2022, no Catar. Caberá a Valdo também comandar as seleções das duas categorias. O Congo, nas Eliminatórias para a Copa de 2018, eliminou a Etiópia, mas na fase decisiva é lanterna em grupo com Egito, Uganda e Gana. Fez só um ponto em cinco jogos.
Nguesso comanda o o país há 33 anos. É apaixonado por futebol, pela Seleção Brasileira e pelo Real Madrid, me conta Valdo, por telefone. Por isso, criou o CT, com campos de grama natural e sintética e alojamento para 60 garotos. Seu filho é quem administra. É a ele a que Valdo se reporta. É com ele que gasta o francês aprendido nas quatro temporadas pelo PSG. Em meio à nossa entrevista, o ex-meia precisou interrompê-la para atender a um telefonema do chefe. Ao fundo, foi possível ouvir os "mercis" e "ouis" da rápida conversa.
O convite para trabalhar no Congo veio através das relações mantidas por Valdo no PSG. Um representante da Nike ligado ao clube francês apresentou-lhe a ideia. Valdo viajou até Brazzaville no início deste ano, colocou à mesa seu plano de trabalho, gostou do que ouviu dos congoleses e decidiu assinar contrato. Sua vida estava organizada em Lisboa, onde decidiu viver com a mulher, uma descendente de africanos, com pais nascidos em Cabo Verde. A idolatria em Portugal vem das três temporadas pelo Benfica. É tão respeitado que estava trabalhando como comentarista do Canal Plus, uma emissora esportiva de TV a cabo. Mas por que trocar essa vida sossegada pela aventura na África?
- Meu negócio é o campo, o cheiro da grama, a bola - responde o ex-meia.
Olha, nasci no bairro Fiorita, o mais humilde de Siderópolis (SC). Nada disso é estranho para mim. Minha cidade tinha 2,5 mil habitantes. Quem diria que um deles sairia de lá para jogar no Grêmio, na Seleção, no PSG, no Benfica? É preciso trabalhar, perseverar
Valdo
Ex-jogador do Grêmio e técnico no Congo
Ao encerrar a carreira no Botafogo, em 2004, Valdo engatou como técnico no União Rondonópolis. Rodou por Serra Macaense, do Rio, e ainda trabalhou em um clube menor de Paris. Mas havia alguns anos estava apenas como comentarista. Até que a África lhe abriu as portas.
- Vim para essa nova aventura, esse novo desafio. Não é que o país seja pobre. Pelo contrário, é rico. Mas com muita pobreza entre a população - resume.
Brazzaville fica às margens do Rio Congo. No outro lado da margem, a um quilômetro, está Kinshasa, na República Democrática do Congo. São as duas capitais mais próximas do mundo. Porém, distantes e com relações tensas, herança do período colonial, em que franceses e belgas se nutriam das riquezas naturais dos dois países. O Congo se tornou independente apenas em 1960, mas ainda sofre com o atraso motivado pelos séculos de exploração.
Valdo desdenha dos problemas estruturais. Há seguidos cortes de luz, que tornam espinhosos o dia a dia com calor entre 35ºCe 40ºC. O sinal do celular também costuma sumir. Mesmo que na loja de telefonia ouça a promessa de que voltará em 20 minutos, ele sabe que é comum demorar até dois dias para o celular funcionar. Nada disso, porém, o abala.
- Olha, eu nasci no bairro Fiorita, o mais humilde de Siderópolis (cidade carbonífera de Santa Catarina). Nada disso é estranho para mim. Minha cidade tinha 2,5 mil habitantes. Quem diria que um deles sairia de lá para jogar no Grêmio, na Seleção, no PSG, no Benfica? É preciso trabalhar, perseverar - ensina.
O reencontro com as origens também estimula Valdo. Todos os negros, diz, têm uma parte do passado vinculado à África e estar em contato com isso o fascina. Sem contar que representa a chance de ensinar e transmitir sua experiência, como forma de mostrar que é possível vencer. Valdo conta que faz isso quase diariamente. Sai de casa para correr às 5h e passa por um campo onde há sempre alguém jogando bola. Ali, estaciona e conta a sua trajetória desde a periferia de Siderópolis até as luzes de Paris. Segue em frente certo de que colocou uma semente de esperança no coração dos congoleses. Leva em troca a certeza de que sua aventura na África não será em vão.
- Aqui se joga bola todos os dias, a toda hora. É obrigação ter jogador de futebol nesses campos. O futebol aqui é bastante amador. Mas talento, capacidade e matéria prima, isso eles têm - aposta.