Viajantes europeus deixaram importantes relatos sobre o Rio Grande do Sul no século 19. O meu preferido é o botânico francês Auguste de Saint-Hilaire. No livro Viagem ao Rio Grande do Sul, descreve o ambiente, o povo e os costumes de 200 anos atrás.
Saint-Hilaire chegou a Torres em junho de 1820. Veio a Porto Alegre e desceu para Rio Grande pelo litoral. Depois de passar pela Cisplatina, atual Uruguai, retornou ao Rio Grande do Sul. Voltou ao Rio de Janeiro em maio de 1821, embarcando no porto de Rio Grande.
Em relato de 4 de julho de 1820, o francês descreveu o inverno em Porto Alegre. O tempo naquela terça-feira estava "sombrio, como na França, antes de nevar, tendo chovido uma boa parte do dia". Contou que, por vários dias, fez frio. Caiu geada quase todas as noites. O conde da Figueira, governador da ainda capitania e anfitrião do europeu, recolhia "bastante gelo para fazer sorvetes". O viajante relata que, "acostumado, como já estou, às altas temperaturas da zona tórrida, sofro bastante com o frio; ele me tira toda espécie de atividade, privando-me quase da faculdade de pensar".
O botânico escreveu que todos reclamavam do frio em Porto Alegre, mas ninguém tomava "providências para defender-se do inverno; só cuidam de agasalhar o corpo com roupas pesadas". Os porto-alegrenses vestiam até dentro de casa "espesso capote que lhes embaraça os movimentos e não os impede de tremer de frio".
Elogiou o "grande número de belas casas, bem construídas e bem mobiliadas", mas ficou surpreso por nenhuma possuir "lareira ou chaminé". Os aposentos eram "muito altos", onde "as portas e as janelas fecham-se mal; estas, geralmente, têm vidros quebrados, que ninguém se importa de substituir".
O francês comentou que os portugueses trouxeram da Europa "o costume de se precaver tão pouco contra o frio, porque garantem que, em Lisboa, as estufas são objetos de luxo".
Em outro dia da viagem, citando as doenças comuns nesta região do Brasil, Saint-Hilaire lembrou que os resfriados e as doenças de garganta eram muito comuns no inverno.
Nem tudo mudou por estas bandas em dois séculos.