Os méritos para a Pepsi-Cola superar a Coca-Cola no Rio Grande do Sul precisam ser colocados na conta de um português que chegou a Porto Alegre no final da década de 1920. Heitor Pires trabalhou como jornalista e advogado antes de voltar de uma viagem aos Estados Unidos, em 1950, com uma decisão: fabricar a Pepsi-Cola no Brasil.
Como relembrei na coluna na semana passada, a icônica fábrica do refrigerante foi inaugurada na capital gaúcha em março de 1953. A transformação no mercado de refrigerantes nas décadas seguintes ficou para a história do marketing. Como a "Pepsi gaúcha" venceu a Coca-Cola?
Em 1997, um grupo de alunos de comunicação da UFRGS, sob orientação do professor Geraldo Canali, publicou o livro Pepsi-Tchê - A Grande Vitória da Pepsi na Guerra das Colas. Compartilho as descobertas dos estudantes, baseadas em entrevistas e análise de notícias da imprensa nas décadas anteriores.
Heitor Pires fundou a Refrigerantes Sul-Riograndenses S.A. em 1952. Com 81 acionistas, muitos da comunidade portuguesa no Estado, abriu a fábrica na Avenida Praia de Belas, em Porto Alegre. A primeira franquia da Pepsi no Brasil começou produzindo a bebida em garrafas de 284 ml. Uma grande festa marcou a inauguração em 3 de março de 1953.
A fábrica da Avenida Praia de Belas, número 1.244, só não produzia as garrafas de vidro e a fórmula original. A Pepsi Internacional preparava o concentrado em outro local na capital gaúcha, sem revelar ao franqueado a receita. Na fábrica da Refrigerantes Sul-Riograndenses, era feita a mistura do concentrado com a água antes de engarrafar.
Com o slogan "o refrigerante da família rio-grandense", Heitor Pires sempre vinculou a marca ao Estado. O foco estava nos pontos de venda, contando com a ajuda de portugueses donos de bares e restaurantes. A marca Pepsi estava por todos os lados. Investia em publicidade na imprensa e patrocínio de eventos, como carnaval.
No cinema, consumidores locais surpreendiam-se com a aparição da Pepsi, "refrigerante gaúcho", em filmes estrangeiros. Como concorrentes afirmavam que refrigerante escuro escodia impurezas, o português fazia questão de dizer que a água já tratada pelo município era novamente tratada dentro da fábrica. As grandes janelas de vidro da fachada ficavam sempre abertas. Os porto-alegrenses podiam parar para assistir ao engarrafamento. Além da Pepsi, a indústria engarrafou nos primeiros anos a Água Rainha.
As tampinhas tiveram papel importante nas estratégicas de marketing. Em shows produzidos pela Pepsi, valiam como ingresso. A promoção "tome outra grátis" colocou no mercado tampinhas premiadas. Diante do sucesso, vieram outras com prêmios maiores, como rádios, bicicletas e até apartamentos.
Em 1962, a indústria gaúcha tinha mais de mil acionistas e abriu unidade em Passo Fundo. Outra fábrica já operava em Pelotas. Heitor Pires deixou a "Pepsi gaúcha" em abril de 1964. Surgiram diferentes versões para explicar a saída: discordância em produzir o refrigerante de laranja Mirinda, dívida com a Pepsi Internacional pelo pagamento do concentrado e problemas de saúde. O português, que tinha o título de comendador e era conhecido fora do Brasil como "Mister Pepsi", morreu em 1971, vítima de câncer.
Ele conseguiu a façanha de vencer a guerra das colas. Mesmo depois da saída do fundador, a marca continuou muito vinculada aos gaúchos. O administrador de empresas João Carlos Martins lembra da estratégia do sogro, Arno Oscar Haag, que presidiu a Pepsi no Rio Grande do Sul entre 1966 e 1973. Quando chegava em um restaurante que não vendia o refrigerante, Haag oferecia ao dono uma pintura nova de todo estabelecimento. Logo, conquistava novo ponto de venda da Pepsi.
De acordo com o livro, por mais de 20 anos, a Pepsi superou a Coca-Cola no Rio Grande do Sul, até 1985. Em 1994, a fábrica de Porto Alegre foi fechada e o prédio virou depósito da Brahma, que detinha a marca Pepsi no Brasil. O terreno na Avenida Praia de Belas tem hoje um prédio comercial e de estacionamento do shopping Praia de Belas. Desde 2000, a gigante Ambev detém direitos exclusivos de distribuir e engarrafar os refrigerantes da Pepsi no Brasil.
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