Com 21 tiros de canhão, o navio-escola Benjamin Constant cruzou a barra em direção ao novo porto de Rio Grande em 1º de março de 1915. A chegada da embarcação marcou o início de nova fase para o desenvolvimento gaúcho com os molhes e a dragagem do canal. As muralhas de pedra avançaram até quatro quilômetros no mar, dando mais segurança para navegação e permitindo a entrada de navios maiores.
A incrível obra de engenharia saiu do papel depois de muitas discussões e polêmicas. Quem olha hoje para os molhes se pergunta de onde vieram tantas pedras. A história das pedreiras foi marcada por assassinatos, doenças, explosões e suicídios, como o jornalista Klécio Santos resgata no livro Sonhos de Pedra: a história da construção dos molhes, uma das maiores obras da engenharia marítima (editora Cabrion).
Quatro milhões de toneladas saíram das pedreiras na zona rural de Pelotas, a cerca de 80 quilômetros de distância da Barra do Rio Grande. Na localidade de Capão do Leão, atualmente município, foi instalada uma estação da ferrovia Rio Grande-Bagé. Em pouco tempo, ganhou casas, pousada, escola e igreja. Em 1907, saíram os primeiros trens carregados de pedras. Os blocos eram levados até a praia do Cassino e empilhados no molhe do lado oeste. Outra pedreira ficava na localidade de Monte Bonito, de onde a carga ia pela ferrovia até Pelotas e depois em chatas pela Lagoa dos Patos até São José do Norte. Essa rota abasteceu a obra do molhe do lado leste.
Uma nova cidade surgiu no entorno das pedreiras de Pelotas para atender empregados da Compagnie Française du Port de Rio Grande do Sul, com casas, oficinas, fábrica de explosivos e enfermaria. A partir de 1910, começou a invasão de operários e máquinas, intensificando a produção.
Brigas eram frequentes por causa do alcoolismo. Um dos primeiros assassinatos foi de Percilia de Almeida, esfaqueada pelo marido, o ferreiro Izidro Steff. As doenças eram outro problema. Em 1913, muitas pessoas foram infectadas em surto de tifo, provavelmente relacionado à qualidade da água
A extração das pedras exigia muitas explosões. Operários morreram e ficaram feridos. O espanhol José Morales morreu num dos acidentes. Outra história é de criança que carregava água para operários. Ela bateu nos explosivos com uma pedra e teve dedos da mão decepados. Em Monte Bonito, explosão jogou um bloco de pedra sobre barracão de empregados que almoçavam.
As péssimas condições de trabalho motivaram uma greve em março de 1914. O fornecimento de pedras durou até 1916. Durante a Primeira Guerra Mundial, só a pedreira de Capão do Leão continuou em operação para baixar os custos. A Companhia Americana de Construcciones y Pavimentos S.A. celebrou contrato de arrendamento das pedreiras com o governo do Estado em 1926. Além de produtos para calçamento e obras públicas, continuou fornecendo blocos para manutenção dos molhes. A empresa ficou nas pedreiras até 1939. Antes da exploração das áreas de Pelotas, pedras das obras dos molhes saíam de Itapuã, em Viamão.
Klécio Santos lançará a segunda edição de Sonhos de Pedra nesta quarta-feira (15) na Bibliotheca Pública Pelotense, em Pelotas, às 19h.
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