*Texto publicado em ZH no espaço do colunista David Coimbra, que está em férias.
Eu não sabia que era um segredo. A primeira vez que me aconteceu foi em junho do ano passado. Eu recém havia completado 34 anos e conversava em casa sobre a possibilidade de ser mãe. Fiz o primeiro teste de gravidez assim que percebi o atraso menstrual. Deu negativo. Minha amiga e mãe de gêmeos Andréia Sadi, que monitorava tudo à distância, se solidarizou e riu com a ansiedade de uma tentante — ela havia dado à luz Pedro e João dois meses antes. E me indicou que eu fizesse um teste quando o atraso completasse uma semana pelo menos.
Foi o que eu fiz.
Era um sábado à noite, eu estava sozinha em casa. Lembro exatamente de quando vi a segunda linha aparecer e do sentimento de felicidade que tomou conta do meu peito, do meu corpo e do meu telefone para onde corri pra contar a notícia ao meu companheiro. Pode parecer clichê. Pode não. É clichê puro. Eu abri um sorriso largo com meus 29 dentes e gritei:
— Tu não vai acreditar!
A alegria durou em torno de umas duas semanas, com a notícia espalhada para amigos e familiares muito próximos. Até que num sábado pela manhã, o sangue se apresentou sem ser convidado. Não havia mais gestação ali.
Lembro que, na emergência obstétrica do Hospital Moinhos de Vento, consolei minha mãe dizendo: é normal. Cerca de 23 milhões de gestações em todo o mundo terminam em aborto espontâneo a cada ano. Isso representa 15% do total. Ou ainda 44 a cada minuto, de acordo com estimativas publicadas na revista médica The Lancet no ano passado.
Dentro da sala, a enfermeira se preparava para coletar meu sangue quando viu que eu estava fazendo brincadeiras com a acompanhante. Ela achou curiosa a cena:
— Normalmente é o contrário. Eu ainda não tinha visto a gestante consolar a avó.
Nós rimos. Minha mãe sabe a filha que tem.
O que eu não sabia (e aí vem o segredo ALERTA SPOILER) é que quase todas as mulheres já passaram por isso. Conversei com várias. "Fica tranquila. Eu perdi duas antes de ter a minha filha", me disse uma amiga; "eu perdi três vezes", "a minha mãe perdeu uma gravidez antes de eu nascer"; "eu também perdi e depois a gente chama de bebê arco-íris", consolaram-me tantas das minhas amigas.
Pragmática, parei e pensei comigo: mas se (quase) todo mundo passa, por que é que nunca ninguém conta? Ivete Sangalo, Romana Novais, Renata Capucci para citar algumas famosas. Mas também Kellys, Samantas, Julianas.
E pensei logo na tristeza que a gente sente. Eu lembro que depois de sair do hospital chorei como criança enquanto a água e o sangue escorriam pelo ralo do chuveiro. Fui para a casa da mãe e passamos uma tarde inteira assistindo episódios de Lady Night, da Tata Werneck. Que grande pessoa é a Tata! Ela faz a gente rir até quando o fundo do poço tem um alçapão. Tata não sabe disso, mas sou imensamente grata.
Dito isto, comecei uma campanha interna para que naturalizássemos o assunto. Sempre que tenho a oportunidade conto a uma amiga o que aconteceu. Dia desses, estávamos no consultório e encontrei uma conhecida, amiga de uma amiga. Ela me falava sobre a maternidade, quando eu disse que havia tentado mas a gravidez não evoluiu. Meses depois nos vimos novamente. E ela comentou sobre como nossa conversa tinho sido importante, já que ela também teria uma gestação espontaneamente interrompida duas semanas depois do nosso primeiro encontro.
Naturalizar um assunto, dizem os especialistas, é um passo importante para que não nos sintamos únicas em um processo de sofrimento. Vale para o aborto espontâneo, para as dificuldades com a amamentação, a depressão pós-parto ou mesmo os desafios de uma mãe atípica. Há poucos dias, a apresentadora Rafa Brites, que tem sido importante voz de apoio e acolhimento às mulheres, escreveu sobre a cicatriz provocada pela cesárea no nascimento do seu primeiro filho. Na postagem, contou sobre as dores, a vergonha, os tratamentos para tentar diminuir a marca em seu corpo. "Quis compartilhar com vocês porque sei que muitas mulheres passam por isso, e falamos pouco né?", desabafou.
Sim, falamos pouco. Quase nada.
E não dá pra continuar desse jeito.
O fato é que daquele junho de 2021, quando do episódio narrado no início desta coluna, até a publicação desse texto eu ainda teria mais uma gestação que não evoluiu. Nessa última, lembro que meu amigo, irmão e titular desta coluna, David Coimbra, me telefonou e eu brinquei que na próxima pediria música no Fantástico. Rimos. Para me deixar mais à vontade, ele contou que uma amiga dele havia perdido duas vezes e depois se mudara para Londres, onde agora já é mãe e está feliz da vida.
Combinamos de nos mudar pra lá. Eu, David, Marcinha, Bernardo e o Gabardo. Mas enquanto isso não acontece, seguimos querendo ajudar outras mulheres a entenderem que sim, dói, mas é mais comum do que a gente pensa.