* Texto publicado em Zero Hora no espaço do colunista David Coimbra, que está em férias.
O presidente Jair Bolsonaro revelou, na sede da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), há cerca de 20 dias, desconhecer um instituto criado em 1937 para preservar o patrimônio cultural do país e confessou práticas pouco ortodoxas de gestão pública.
Recapitulando. Para um público formado por 19 ministros de Estado, executivos e CEOs, o presidente da República disse que as obras de um empreendimento do empresário Luciano Hang tinham sido interditadas porque o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) identificou "pedaços de azulejos" no solo durante as escavações para construção de uma Havan em Rio Grande, no Sul do Estado. E foi adiante em suas confissões:
"Liguei para o ministro da pasta e perguntei: que trem é esse? Porque eu não sou tão inteligente como os meus ministros. O que é Iphan, com ph? Explicaram pra mim, tomei conhecimento e ripei todo mundo do Iphan. Botei outro cara lá. O Iphan não dá mais dor de cabeça pra gente".
Em 48 segundos, Bolsonaro falou, com todas as letras, que "ripou" o comando do Iphan para que uma loja de um aliado político fosse construída. E mais. Admitiu que, após a troca, a autarquia não dá mais "dor de cabeça".
A confidência não surpreende. O que espanta no vídeo veiculado nas redes sociais e nos veículos de imprensa é o comportamento do público. Os convidados para o Moderniza Brasil (parece piada pronta, mas a declaração ocorreu no lançamento um projeto governamental que leva este nome) poderiam permanecer calados, constrangidos, diante de um disparte ao microfone. Evitariam apupos, talvez inadequados para habitués do centro financeiro da Faria Lima, mas delimitariam a distância que separa a sociedade civilizada, afeita às melhores práticas de gestão, do manejo rudimentar da máquina pública. Os convivas, porém, preferiram aplaudir. Alguns, inclusive, gargalharam. Sim, por mais inverossímil que possa parecer, pelo menos parte da plateia que lotou o auditório da mais poderosa entidade empresarial do país saudou a ignorância e aprovou o desrespeito à impessoalidade administrativa.
A reação às sandices ajuda a compreender como chegamos a esta curva da história. Setores da elite seguem criticando a corrupção (dos outros), denunciando o intervencionismo estatal (quando não são beneficiados por ele), reclamando da violência (só em áreas nobres), lamentando perdas econômicas na pandemia (e indiferente aos mais de 617 mil mortos pela covid-19). No ambiente sem filtros da Fiesp, na noite de 15 de dezembro, as aprovações expuseram também um fragmento do PIB nacional.
Em tempo: recomendo ao presidente uma viagem às Ruínas de São Miguel das Missões, no Parque Histórico Nacional das Missões, em São Miguel. A manutenção daquele patrimônio da humanidade ajuda a entender o papel inestimável do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e de seus abnegados técnicos.