Quando Fernando Henrique Cardoso propôs, nos longínquos anos 90, a possibilidade de políticos se reelegerem para um segundo mandato — o que coincidentemente o reconduziria à presidência da República — abriu caminho para que o chefe do Executivo trabalhasse em políticas que facilitassem sua permanência de poder.
Tal como ele próprio fizera, os sucessores produziram o óbvio: planejaram medidas populares a fim de garantir mais quatro anos no Palácio do Planalto.
Passados vinte anos da emenda constitucional, Fernando Henrique até tentou ensaiar uma mea-culpa, quando admitiu ter sido um erro aprovar a reeleição no Congresso, em artigo publicado em jornais. Registro histórico feito, nada muda nas transações políticas no Brasil.
Nesta segunda-feira, o presidente Jair Bolsonaro foi pessoalmente ao Congresso entregar a Medida Provisória que traz as bases para criação do programa Auxílio Brasil, uma espécie de "Bolsa Família para chamar de seu". Nada de novo no front. As discussões sobre a necessidade de alavancar a renda dos mais vulneráveis já circulavam em Brasília, em especial após a pandemia de coronavírus ter afetado duramente os mais pobres.
Pensando nisso, o governo Bolsonaro começou a ensaiar a criação de um plano chamado Renda Brasil, mas tamanhas foram as divergências entra ala política e ala econômica que a proposta entrou para a gaveta, com anúncio de espera partindo do próprio presidente.
Ocorre que a reeleição bateu à porta e, nas últimas pesquisas, Bolsonaro viu seus índices de popularidade caírem enquanto o adversário mais forte até aqui — que, aliás, tem boa performance entre as camadas mais populares — apareceu pontuando até mais do que ele em sondagens eleitorais. Daí a urgência do capitão em agir. A apresentação do Auxílio Brasil — que deixou especialistas em finanças públicas de cabelo em pé — tem muito mais a ver com 2022 do que com a consciência sobre a distribuição de renda.
Cabe lembrar a postura do capitão em 2017, sublinhada por Bernardo Mello Franco em O Globo nesta segunda-feira:
— Se para ser candidato a presidente tem de falar que vai ampliar o Bolsa Família, então vote em outro candidato. Não vou partir para a demagogia — afirmou, antes de ser eleito.
De lá para cá, muita coisa mudou. Mas Bolsonaro não. Com larga experiência no Congresso, ele sabe como a banda toca na política brasileira. Para se manter no poder, vale tudo. Alinhar-se ao centrão, entregar a Casa Civil para Ciro Nogueira e, claro, fazer o que for possível para turbinar sua popularidade junto aos mais pobres. É a velha política. Bolsonaro só pensa naquilo: mais quatro anos à frente da Nação.