A quem surpreende o casamento do presidente Jair Bolsonaro com o Centrão sobra utopia ou desconhecimento da engrenagem política no Brasil. Ao selar o convite para Ciro Nogueira chefia a Casa Civil, o presidente da República repete seus antecessores e mergulha na prática conhecida até pelas carpas do Palácio da Alvorada: dar ministérios em troca de voto no Congresso.
A diferença, caro leitor, é que o mesmo presidente havia prometido, ainda em 2018, fazer diferente. Na campanha, vendeu a ilusão de que acabaria com o toma lá dá cá. Com Bolsonaro, estariam estancadas as negociatas, a compra de apoio político, o loteamento de ministérios.
Cabe lembrar: mesmo oriundo de uma sequência de mandatos na Câmara dos Deputados, Jair Bolsonaro apresentou-se como anti-político. Aliás, soube aproveitar-se dessa imagem para cair nos braços do eleitor desapontado com o establishment e avesso aos caciques partidários, em especial por conta dos escândalos revelados pela Lava-Jato.
Para dar provas de seu comprometimento, nomeou o juiz que determinara a prisão dos poderosos como seu ministro da Justiça. Já nos primeiros dias, o caçador de corruptos apresentou um poderoso pacote anti-crime que ganhou o desprestígio do presidente e dos congressistas a ponto de ser desidratado no tempo em que tramitou no Legislativo. A lua de mel Moro-Bolsonaro durou menos que casamento de celebridade, e ele correu para os braços do centrão.
A ida de Ciro Nogueira para o simbólico ministério da Casa Civil expõe a rendição de Bolsonaro (aqui, pego emprestada as palavras da apoiadora do presidente Janaína Paschoal) diante de elementos claros: a necessidade de apoio para aprovação de André Mendonça para uma vaga no STF, a consolidação de uma base que resista a qualquer possibilidade de abertura de pedido de impeachment e a costura política para pavimentar o caminho para recondução ao Planalto em 2022, diante do crescimento do adversário nas pesquisas de intenção de voto.
São três razões claras para o movimento, descrito pelo ministro Luiz Eduardo Ramos como o "atropelo" por um trem.
Bolsonaro sabe muito bem o terreno em que pisa e por isso não dá um passo sem pensar no traçado e no destino final: a reeleição. Resta saber se o eleitor está disposto a acompanhá-lo a despeito de quem vai guiar o percurso e quanto cobrará para fazê-lo.