Eleito com a bandeira anticorrupção em punho, o presidente da República, Jair Bolsonaro, prometeu ser implacável com malfeitos se escolhido fosse pelos brasileiros para chefiar a República. Foi ovacionado por milhões de brasileiros, em outubro de 2018, como o grande nome que simbolizava a esperança de, finalmente, transformar o sistema político corrompido em Brasília. Nomearia um ministério técnico. O dream team da Esplanada.
Mas e as declarações a favor da tortura? Bem, pelo menos ele não vai roubar.
Antes de assumir a cadeira no Palácio do Planalto, Bolsonaro nomeou Sergio Moro — a quem jurou carta branca — para ser seu ministro da Justiça. Enquanto esteve à frente da Lava-Jato, Moro fora celebrado como herói e chegou a ganhar um boneco no Carnaval de Olinda, no Recife. Os poderosos, finalmente, estavam indo para a cadeia.
O casamento não durou muito. O ex-juiz que abandonou a toga para entrar no governo ficou descontente com as interferências do chefe à medida em que avançaram investigações sobre o filho de Bolsonaro, senador Flávio Bolsonaro, e um suposto esquema de rachadinha.
Em pouco tempo, Bolsonaro mandou trocar o chefe da Polícia Federal porque... você sabe. Foi a gota d'água. Moro pediu demissão.
Numa entrevista para a Rádio Gaúcha, Moro contou ter percebido a cilada. Disse que o presidente estava usando a imagem dele (Moro) de "símbolo anticorrupção" como uma espécie de salvo conduto, para mostrar comprometimento com esta temática. O governo, contudo, seguia na direção contrária, disse.
Contrariando mais uma promessa de campanha, o presidente entregou-se de vez ao establishment e decidiu abraçar-se ao centrão, grupo político sobre o qual orbita uma nova suspeita de corrupção, desta vez envolvendo a compra das vacinas da Covaxin. Além do preço muito mais caro que as demais, chamou a atenção a rapidez do negócio e a pressão relatada pelos irmãos Miranda, em depoimento à CPI da Covid.
Nesta segunda-feira, senadores apresentaram queixa-crime ao STF para que se apure se Bolsonaro cometeu crime de prevaricação, ou seja, se avisado foi e não mandou investigar.
A coluna chama a atenção para um ponto importante nessa série: a mudança de discurso nada sutil do presidente, verbalizada nesta segunda-feira. Ontem, em fala mansa dirigida a apoiadores, Bolsonaro não adotou o tom implacável contra irregularidades, nem bradou que puniria corruptos ou que acabaria "com isso daí". Devagar e sereno, explicou:
— Não tenho como saber o que acontece nos ministérios.
E emendou que são muitos contratos e, você sabe, o presidente não tem como saber.
Para meio entendedor, uma investigação basta.