Era questão de tempo. Nos últimos dias, a coisa ficou tão feia que até as carpas que habitam o Palácio da Alvorada já sabiam da iminente queda de Ernesto Araújo do posto de titular do Ministério das Relações Exteriores do Brasil. O que nem as emas conseguiram explicar é porque durante tanto tempo ele permaneceu por lá.
Expoente da ala ideológica, Ernesto Araújo produziu cenas vexatórias enquanto chanceler brasileiro. Discípulo de Olavo de Carvalho, comprou briga com a China para defender o filho do presidente, que havia ofendido o embaixador chinês em lance inédito na diplomacia mundial.
Suas trapalhadas à frente do Itamaraty dificultaram relações com uma série de países e, em meio à pandemia de coronavírus, o Brasil experimentou impasses envolvendo a importações de imunizantes e mesmo da matéria-prima necessária para a produção da vacina. Quem não lembra dos episódios envolvendo a Índia e a própria China?
Entre as cenas lamentáveis, há ainda o encontro de Bolsonaro com o então presidente Donald Trump, na Casa Branca. O chanceler ficou do lado de fora, na ocasião. O filho do presidente acompanhou o pai, tal como se o ministro fosse ele.
Na última cartada — dobradinha com os filhos do presidente, mais uma vez — Ernesto Araújo resolveu atirar para cima da senadora Kátia Abreu, parlamentar que preside hoje a Comissão de Relações Exteriores do Senado. Alegou o futuro-ex-ministro que havia sido vítima de pressão dos senadores, tentando jogar a militância bolsonarista odiosa contra o Congresso. Estratégia tão tosca quanto seu legado.
Em resposta sobre o episódio, Kátia foi certeira, ao jornal O Globo, nesta segunda-feira.
— Como é o nome disso? Só tem dois, o primeiro pode ter sido por covardia. O segundo, é que ele não acredita nisso que ele me acusou, alguém mandou ele tuitar.
O problema nesse episódio é que a saída do ministro não encerra o vexame, já que a substituição do titular não implica em mudança da ideologia à qual se submete a lógica bolsonarista. Como observou o ex-ministro das Comunicações, Thomas Traumann, o buraco é bem mais embaixo.
— Araújo fingiu ser o responsável pela diplomacia, mas foi apenas o laranja de Eduardo Bolsonaro. Não importa quem estiver no Itamaraty, enquanto houver um Bolsonaro no Planalto, a diplomacia será bolsonarista.