A decisão do Supremo Tribunal Federal a respeito dos salários de servidores públicos, assegurados em julgamento da corte nesta semana, pode ter passado despercebida em meio ao turbilhão de notícias que envolvem a pandemia do coronavírus. Mas carece de atenção. Ao proibir que gestores de Estados e municípios reduzam salários de seus funcionários, os ministros permitiram o aprofundamento de uma chaga brasileira: a desigualdade social.
Em abril, o mesmo STF entendeu não ser necessário o aval de sindicatos para os acordos individuais de redução de jornada de trabalho e salários só que na iniciativa privada.
Na prática, enquanto os trabalhadores do setor privado têm sofrido com corte de salários ou até mesmo perdem seus empregos durante a pandemia, o profissional do poder público seguirá protegido por uma decisão que é difícil distanciar de corporativismo.
E não se trata aqui de desmerecer o servidor estadual, municipal ou federal, que no caso do Poder Executivo gaúcho ainda sofre com o parcelamento recorrente de salário. Fala aqui uma profissional que também prestou concurso público, foi aprovada e já experimentou o outro lado desta realidade.
Contudo, a decisão do STF contribui para um distanciamento de realidades, acentuando diferenças sociais e de renda já bastante explícitas - isso sem falar no descomprometimento com a realidade fiscal. Curioso que os reflexos do déficit estrutural vivido por Estados e municípios recaem justamente sobre os mais pobres, que dependem dos serviços essenciais do Estado (saúde, segurança e educação), esfarelados também em virtude da crise fiscal.
Ao repórter Rafael Moraes Moura, do jornal Estado de São Paulo, o prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan, definiu assim a decisão, da última quarta-feira: "Sempre que o Judiciário tem de decidir entre a sociedade e as corporações, como regra, o Judiciário decide a favor das corporações".
Triste. Justamente por vir de uma das mais necessárias instituições - e talvez a mais assertiva até aqui - em tempos de ameaças à democracia.