A nova fase da Operação Lava-Jato, deflagrada nesta quarta-feira (2) no Rio de Janeiro, é emblemática. Ela mirou e atingiu integrantes da própria Lava-Jato que buscavam extorquir corruptos e cobrar deles quantias milionários, a fim de livrá-los de punição. O fato desperta um questionamento: a corrupção é de tal forma entranhada no sistema público brasileiro que será possível, algum dia, nos livrarmos dela? Por que até mesmo as instituições que deveriam combatê-las contam com integrantes corruptos? O jornalista e escritor Laurentino Gomes aceitou o desafio de responder à pergunta em entrevista hoje no programa Timeline, da Rádio Gaúcha. Para Laurentino, a questão é profunda e exige a transformação de um traço de natureza cultural, que parece estar "dentro" de brasileiros e brasileiras.
— Eu acredito, sim, que o Brasil pode mudar, mas não tão rapidamente quanto nós gostaríamos — afirmou.
Autor de uma excelente trilogia sobre a história do Brasil e jornalista com passagem por várias das principais redações do país, Laurentino lembra que agentes públicos no Brasil foram historicamente movidos por interesses pessoais de enriquecimento, em detrimento da consciência de prestar um bom serviço à sociedade. Ele cita como exemplo um conselho dado por Dom João III a um homem que havia sido nomeado por ele para ocupar um importante posto no século 17.
— Ele (o imperador) disse a ele: 'eu o nomeio como chefe do castelo mas não seja tão néscio (tão ignorante) de voltar de lá pobre'. Ou seja, a ideia de que um cargo público era uma maneira de enriquecimento fácil e que você podia ter oportunidade para fazer negócios particulares. E isso era muito comum na época do Brasil Colônia — exemplificou.
Laurentino acrescentou à avaliação o comportamento de outras autoridades, historicamente corrompidas em postos de comando no país.
— Vários governadores gerais, governadores de províncias, de capitanias, vieram para o Brasil em função de um privilégio que tiveram do rei e, depois, voltaram para Portugal muito ricos, a ponto de causar escândalo na corte; E acho que esse traço continua muito entranhado na nossa forma de ser. A ideia de que você ocupar um cargo público não é um meio de prestar um serviço à sociedade, mas sim uma maneira de se enriquecer. E aí a gente olha os jornais hoje e fala: 'não é possível que isso continue acontecendo em pleno século 21'. É uma coisa de natureza cultural — conclui.