É consenso entre autoridades ouvidas pela coluna que o presidente da República, Jair Bolsonaro, não tem poderes para determinar à Polícia Federal — ou ao ministro responsável pela PF, Sergio Moro (Justiça) — a realização de depoimentos em processos com o objetivo de ouvir quem quer seja. O entendimento contraria a informação trazida pelo próprio presidente, em manifestação na manhã desta quarta-feira (30), na Arábia Saudita. Naquele país, o presidente afirmou estar conversando com seu ministro da Justiça para que o porteiro de condomínio onde mantém residência no Rio de Janeiro possa ser ouvido novamente no processo que investiga a morte da vereadora Marielle Franco (PSOL), desta vez pela Polícia Federal, que está subordinada a Moro.
— Estou conversando com o ministro da Justiça para ver o que pode ser feito, para tomar via PF o depoimento desse porteiro — disse Bolsonaro. — De modo que esse fantasma que querem colocar no meu colo como mentor (do assassinato de Marielle) seja enterrado de vez — afirmou.
Foi neste sentido se manifestou, na manhã desta quarta-feira (3), a procuradora Janice Ascari, responsável pela condução da Força-Tarefa da Lava Jato, em São Paulo. Disse Janice: "O Presidente da República não tem poderes para determinar à Polícia ou ao MP (que é o único destinatário do inquérito policial) a realização de diligências para a condução de uma investigação criminal".
Assim também explicou à coluna o procurador da República Douglas Fischer, ex-integrante da força-tarefa da Operação. Segundo ele, a sugestão pode até ocorrer, mas nenhuma autoridade — nem mesmo o presidente da República — pode induzir os responsáveis pela apuração sobre como proceder.
— Quem conduz investigações criminais são o Ministério Público ou a Polícia. Investigados até podem sugerir indicações de testemunhas. Mas nenhuma autoridade pode determinar aos responsáveis pela investigação o que devem fazer — explicou.
A reação de Bolsonaro, incluindo a disposição para determinar um novo depoimento no processo, se refere à informação revelada pela TV Globo na noite desta terça-feria (29). Reportagem veiculada pelo Jornal Nacional afirma que registros da portaria do Condomínio Vivendas da Barra, no Rio de Janeiro, indicam que dois acusados de assassinar a vereadora Marielle Franco (PSOL) e o motorista Anderson Gomes se reuniram no local antes do crime, em 14 de março de 2018. Um deles, ao chegar, afirmou ao porteiro que iria à casa de Jair Bolsonaro, que tem residência no condomínio e à época era deputado federal.
Naquele dia, a lista de presença da Câmara mostra que Bolsonaro estava em Brasília, e não no Rio. Como houve citação ao nome do presidente, a lei prevê que o Supremo Tribunal Federal (STF) analise a situação.