Haviam se passado alguns minutos das oito horas da manhã quando eu conversei com um dos integrantes da equipe do governador do Estado, Eduardo Leite. Meu objetivo, como jornalista, era apurar informações sobre o encontro entre ele e o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, antes da posse do novo presidente do TRF4. Falávamos sobre a grave questão dos presídios e a recorrente falta de vagas em estabelecimentos prisionais, um flagelo que se estende por sucessivos governos — há 13 anos no Grupo RBS, eu lembro de ter ouvido diferentes governantes (de partidos diversos) com anúncio de planos para resolver o caos instaurado em cadeias gaúchas. Em uma das ocasiões, do ano de 2014, o então presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Joaquim Barbosa, esteve dentro do Presídio Central e sentenciou: "O preso sai pior do que entrou".
Voltemos à ligação de hoje de manhã. Enquanto conversávamos sobre o encontro de Moro e Leite, onde falaram sobre a necessidade de o Rio Grande do Sul ser classificado como prioridade quando houver algum recurso por parte da União para presídios, o assessor do outro lado da linha me informou que o governador estava indo, pela manhã, aos velórios dos dois policiais militares que foram mortos por criminosos em um confronto na noite de quarta-feira, em Porto Alegre. A sociedade gaúcha, como um todo, se comoveu. O narrador da TV Globo Galvão Bueno citou, em rede nacional, o nome dos dois policiais militares antes de a bola rolar no jogo da seleção brasileira. Rodrigo da Silva Seixas, 32 anos, e Marcelo de Fraga Feijó, 30 anos fariam aniversário no mês que vem. Deixaram família, filhos pequenos e uma corporação inteira em luto.
Foi este mesmo assessor quem me disse que a informação sobre a ida ao enterro dos soldados era pública — quer dizer, ao acesso de todo e qualquer jornalista —, mas explicou que o Palácio não traria o assunto como uma notícia a ser publicizada. Eu entendi. Diante da dor das famílias, de fato, não cabe a um governante fazer política em cima disso. E assim o Piratini o fez. Até a publicação deste texto em GaúchaZh, não havia nenhuma nota ou matéria sobre a agenda no portal do governo do Estado. Eu, enquanto jornalista e cidadã, considerei um gesto extremamente sensível. Citei em um dos programas que participo, na Rádio Gaúcha. A ida do governador, penso, é um gesto humano e digno de alguém eleito pela população para fazer frente aos desafios que o Poder Público impõe. Disse o mesmo quando da visita ao policial atingido em um dos olhos durante a manifestação do dia 14 de junho.
Foi quando me deparei, já por volta da uma da tarde, com a foto de Leite abraçado a mãe de um dos soldados mortos. A imagem mostra o governador entregando a ela o abraço e o conforto de alguém que se sentia responsável como chefe do Poder Executivo por dar alguma satisfação àquela família. Eu tornei a ligar para o Palácio. Desta vez, falei com o próprio governador:
— Como é que eu não vou ir lá? Como é que eu não vou levar o meu respeito em nome da sociedade gaúcha, pela qual eu fui eleito? É um momento de muita tristeza. Eram jovens como eu. Um faria 31 anos e o outro 33 anos de idade, agora em julho. Se o Estado falhou, o mínimo que eu posso fazer é mostrar a minha consideração — me disse.
Na imagem, Leite aconchegou a mãe do soldado Seixas com o braço direito e segurou, com a mão esquerda, a a mão daquela senhora que acabara de perder um filho. Atrás deles, repousavam coroas de flores. Uma delas, com a assinatura da Brigada Militar. A imagem era do velório realizado em Caçapava. Mas Leite havia estado, mais cedo, junto ao velório do soldado Feijó, velado e enterrado em Viamão. Me contou o governador que o pai do soldado, naquele caso, o abraçou e agradeceu pelo fato de ele ter ido até lá.
Pode parecer cena política e sei que, num ambiente polarizado como estamos, muitos torcerão o nariz para o gesto de Eduardo Leite. Especialmente quando o poder público não consegue resolver, em sucessivos anos, as tais vagas prisionais que citamos lá no começo do texto e que deveriam ter mantido, no regime semi-aberto, um dos criminosos que atirou contra os policiais.
Mas, em tempos de violência extrema e desvalorização da vida, conforta saber que um agente público, no mais alto posto de um governo, ainda se importa em conhecer os rostos por trás da violência brutal que nos atinge diariamente. Sobre isso, meu sincero reconhecimento ao gesto. É importante estar perto e olhar as vidas não apenas como números, mas pelas histórias de vida, das famílias e dos amigos de cada uma das vítimas da criminalidade no nosso país.