A cena era um misto de melancolia e tristeza, mas, por mais contraditório que pareça, havia algo de belo e etéreo ali. Emergia poesia da água parda que por um mês cobriu e silenciou a Rua dos Cataventos, assim batizada em homenagem ao seu mais famoso morador, nosso poeta maior.
É dessa forma que Germana Konrath, diretora da Casa de Cultura Mario Quintana, na Capital, descreve o que sentiu ao ver o prédio rosado — patrimônio dos gaúchos — engolido pela enchente de maio de 2024.
— Foi uma mistura de sensações. Não foi fácil — recorda a arquiteta e gestora cultural.
Ainda não terminou. A limpeza é demorada, difícil, extenuante. Estive lá. Testemunhei o esforço dos trabalhadores na batalha com o lodo. Espiei os salões. Vi, também, as salas da Cinemateca Paulo Amorim vazias e escuras, à espera dos próximos capítulos.
Com recursos estaduais e federais e doações de parceiros, entre elas R$ 2,6 milhões do Banrisul e materiais de pintura da Tintas Renner, as áreas afetadas serão recuperadas. O trabalho já está em andamento. Germana calcula dois meses de obras pela frente.
— Não desanimamos nem por um minuto. Vamos voltar melhores — projeta a diretora.
Se tudo der certo, em agosto deste ano, o lar de Quintana, antigo Hotel Majestic, onde ele viveu de 1968 a 1980, estará aberto outra vez ao público. Nem só as nuvens, meu caro poeta, são eternas.
O Perimetral Podcast desta semana trata da restauração de pontos importantes da cidade — entre eles a Casa de Cultura Mario Quintana. Confira abaixo e nas plataformas Spotify, Apple Podcasts, Amazon Music e SoundCloud.
Para relembrar
Separei, abaixo, algumas das criações de Mario Quintana. Ele dizia que fazer poesia era como "abrir uma janela" para ajudar a respirar.
Epígrafe*
As únicas coisas eternas são as nuvens…
* Do Caderno H, de 1973.
Da felicidade*
Quantas vezes a gente, em busca da ventura,
Procede tal e qual o avozinho infeliz:
Em vão, por toda parte, os óculos procura
Tendo-os na ponta do nariz!
* Do livro Espelho Mágico, publicado em 1951 pela editora do Globo.
Carreto*
Amar é mudar a alma de casa.
* Do clássico Sapato Florido, cuja primeira edição saiu em 1948.
Tempo*
Coisa que acaba de deixar a querida leitora um pouco mais velha ao chegar ao fim desta linha.
* Do Caderno H, de 1973.
Do sonho*
Sonhar é acordar-se para dentro.
* Do Caderno H, 1973.