É tão certo como o pôr do sol que pinta de laranja esta página. A cada dia, estamos mais perto dela, a única certeza que perpassa a existência de todos nós, possivelmente os únicos seres deste pequeno grão de areia no universo a ter plena consciência da própria finitude. Sim, estou falando dela: a morte.
É curioso o tabu em torno do assunto, apesar de sabermos que, da vida, não sairemos vivos - ao menos por enquanto (sabe-se lá aonde vai chegar a tecnologia). Talvez você até já tenha pensado em sair desta página ou batido três vezes na madeira - “cruz credo”. E não, eu não estou morrendo. Quer dizer, estar, estou. Você também está.
Os filósofos costumam dizer algo mais ou menos assim (perdoem-me os pensadores pela simplificação grosseira): refletir sobre a morte nos ajuda a aprender a viver melhor. Ou a morrer melhor, afinal, cada dia a mais na face da Terra é um novo passo a caminho do funeral.
E tem mais: você pode se cuidar com zelo, seguindo todas as regras da boa saúde, e, ainda assim, morrer de forma precoce, ou pode viver uma vida louca e durar um século.
Seja como for, Platão, aquele mesmo, da caverna, 400 anos antes de Cristo já apontava o lado positivo de pensar e falar sobre o fim. No fundo, é uma forma de reavaliar e corrigir a rota enquanto ainda é tempo. Repensar valores, relações, saber valorizar as pequenas vitórias e os momentos efêmeros de felicidade. Afinal, por que não pensar e falar sobre isso?
Rita Lee, que fez a passagem em maio deste ano, deixou um legado imenso em muitos sentidos, inclusive neste sobre o qual escrevo. Desconcertante e questionadora até o último suspiro, ela deixou no prelo um livro belo, triste, engraçado, bruto e sábio, tudo isso junto, ao mesmo tempo.
“Algo me diz que tenho escrito muito sobre a morte”, reflete Rita, em meio à batalha que travava contra o câncer. “Aliás, por que há tanta gente que até se benze quando tocamos no assunto? A morte é a única verdade, e cada dia a mais vivido é um dia a menos que se vive. Pra que fazer tanta cara de enterro quando deveríamos tratar dela com humor?”, questiona a artista, que sabia estar mais perto das cinzas do que nunca.
O que vem depois? Só saberemos ao chegar lá e, embora isso seja líquido e certo, o que ainda não fazemos a menor ideia é quando. Pode ser hoje, pode ser amanhã ou daqui a 30, 40 anos. E, ao contrário de outras experiências, a morte só se vive uma vez. Esse é drama, enfim.
Se você resistiu até aqui, aproveite cada minuto do que resta de sua vida como se fosse o último. Que seja, como escreveu Rita Lee, uma missão “comprida” e também “bem cumprida”.