Escrevo estas linhas a exatos 12.194 metros de altitude, enquanto o Airbus A330-900neo da TAP sobrevoa o arquipélago dos Açores a uma velocidade de cruzeiro de 854 quilômetros por hora. Deixo para trás as férias e a capital de Portugal, coberta pelo véu dourado do sol da manhã. Lisboa é tudo o que você já ouviu falar e muito mais.
Não se trata apenas da gastronomia, do vinho, do fado e do farto cardápio de atrações turísticas. Chama a atenção a forma como a cidade conseguiu construir uma nova imagem. Os resultados da transformação (ainda em curso) são de cair o queixo, mesmo em tempos de crise na Europa.
Construindo consensos
Em pouco mais de 30 anos, a metrópole portuguesa suplantou a fama de capital decadente da União Europeia. Deixou de ser associada ao atraso e passou a integrar o seleto grupo das “cidades do futuro”. Lisboa tem muito a ensinar a Porto Alegre.
A inspiração veio de Barcelona, em 1989, com alterações no plano diretor para atrair investimentos, projetos prioritários bem traçados e, claro, a injeção de milhões de euros de bancos europeus, investidores privados e
poder público. Na década de 1990, a cidade fez um inventário de seus prédios históricos, que vinham sendo demolidos a rodo em nome de uma pretensa e distorcida ideia de modernidade. Entre nós, isso segue ocorrendo. Os lisboetas se deram conta do estrago antes, construíram consensos e corrigiram a rota.
Da degradação à valorização
Em 1994, quando o processo de remodelação começou a decolar, a cidade foi eleita Capital Europeia da Cultura e, quatro anos depois, sediou a Expo 98. Com aportes robustos, o evento internacional deu novas feições a uma área ribeirinha até então segregada, degradada e poluída, antes ocupada por estruturas portuárias decrépitas.
A região passou a abrigar o Parque das Nações, um lugar com pegada sustentável, onde há oceanário, museu de ciências e tecnologia, teleférico, estação de trem, bares e restaurantes, hotel de luxo, marina e uma arena de eventos. Caminhar por ali virou um programão e um chamariz para turistas, que chegam aos borbotões do mundo todo.
Colar de pérolas
Em sua reconexão com o Tejo, Lisboa tem hoje o que muitos definem como um “colar de pérolas” a costear o rio, com espaços acessíveis e aprazíveis. A lista inclui desde a Ribeira das Naus até um mercado gastronômico descolado e uma rua cor de rosa ponteada por bares e sombrinhas coloridas.
Porto Alegre não tem o Tejo, mas é banhada pelo Guaíba. Não é conhecida pelo bacalhau, mas é a capital do churrasco. E, como Lisboa, também possui uma zona portuária à espera de revitalização - o Cais Mauá - que tem tudo para fazer a cidade pulsar.
Centro histórico
O renascimento urbano da capital portuguesa passou, também, pela redescoberta do Centro Histórico, com investimentos em obras de recuperação e um plano bem estruturado de marketing voltado ao turismo (propaganda, afinal, é a alma do negócio). Isso começou em 2006, com a criação do Comissariado e Projeto de Revitalização da Baixa-Chiado, uma aposta certeira na zona central. A região segue com grandes obras de infraestrutura viária e de restauro do patrimônio.
Os bondinhos
Em Portugal, os mais charmosos veículos de transporte em operação são chamados de “elétricos”. Os bondinhos, como conhecemos, estão em toda parte em Lisboa e também há linhas preservadas em Porto, no norte do país.
Ao contrário do que fizeram Porto Alegre e outras capitais brasileiras, o sistema não só foi mantido como se tornou uma marca e uma fonte de lucro. Hoje, visitantes lotam os antigos coletivos para garantir uma selfie nas redes sociais.
O mais famoso de Lisboa é o bonde nº 28, que passa perto das principais atrações turísticas. Na parada inicial do trajeto, há filas o dia inteiro. Em Porto, o mesmo se dá com as linhas 1 e 18. Você pode ir até a foz do Douro sobre os trilhos. E acredite: é uma curtição.
Uma pena, mesmo, que por aqui restem apenas parcos resquícios dos nossos antigos bondes. Seria incrível revitalizar ao menos uma linha em Porto Alegre, quem sabe junto ao Mercado Público. Não seria?
Ora, pois
Ao longo da semana, trarei mais impressões e curiosidades sobre Portugal. Já vou logo avisando: foi “fixe”! A gíria é usada pelos portugueses para definir algo legal. Se pronuncia o “x” com som de “ch”. Percebes?