Nós, brasileiros, temos a mania - que Nelson Rodrigues traduziu como “complexo de vira-lata” - de achar que tudo o que é de fora do país “é melhor”. Vale para produtos, ideias, experiências e até para cérebros. É por isso que, quando surgem histórias inspiradoras, a coluna faz questão de jogar luzes sobre elas, ainda mais quando as novidades vêm da ciência.
É daqui a única latino-americana a figurar na lista das vencedoras do prêmio Distinguished Women in Chemistry or Chemical Engineering de 2023, da União Internacional de Química Pura e Aplicada (Iupac). Márcia Foster Mesko, gaúcha de Canguçu e professora da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), receberá a honraria no mês de agosto, em Haia, nos Países Baixos, durante o congresso mundial da entidade.
Vai levar o Rio Grande do Sul na bagagem, como fez muitas outras vezes: aos 43 anos, ela já recebeu distinções em nações como Reino Unido, Alemanha, Turquia e Estados Unidos.
Com base em critérios como excelência em pesquisa, realizações no ensino e capacidade de liderança, o prêmio da Iupac reconhece o trabalho de mulheres-prodígio da Química e da Engenheira Química ao redor do mundo. Não é pouco.
— Para minha surpresa, fui indicada por meus pares, mas achei que não era para mim. Quando recebi a notícia, fiquei muito feliz mesmo. Feliz e honrada — diz a pesquisadora, que se especializou em Química Analítica, estudou a vida inteira em escolas públicas, conquistou bolsas de estudo e vem de uma família humilde.
À frente do Laboratório de Controle de Contaminantes em Biomateriais da UFPel, Márcia faz parte daquele time de docentes que extrapola as salas de aula. Ela acumula um currículo invejável (veja mais detalhes abaixo) em atividades acadêmicas, organização de eventos científicos, criação de cursos e de projetos de extensão - entre eles uma iniciativa focada em incentivar a participação das meninas na ciência.
— Conheço poucos pesquisadores brasileiros tão jovens e bem-sucedidos como a Márcia. Ela é uma das mais premiadas do Brasil, uma inspiração, sem dúvida. E tem uma característica muito especial, que é a capacidade de fazer pesquisa muito bem e unir isso ao trabalho social — diz o professor de Química da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Érico Flores, referência na área.
Não custa lembrar
Como muitos profissionais de excelência do Brasil, Márcia Mesko foi bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado (Fapergs) na iniciação científica e da Capes e do CNPq, órgãos do Ministério da Educação, na pós-graduação. Por essas e outras, é tão importante o trabalho feito na Fapergs e o reajuste das bolsas anunciado nesta quinta-feira (16) pelo governo federal. Um país que se preze valoriza seus pesquisadores.
Currículo invejável
O currículo de Márcia é tão extenso que não cabe em uma reportagem. Além do que foi mencionado acima, ela acumula ainda uma série de realizações. Veja algumas delas:
- Foi coordenadora do Comitê Assessor de Química na Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado (Fapergs), tradicionalmente liderado por homens, e diretora da Divisão de Química Analítica da Sociedade Brasileira de Química (SBQ).
- Hoje, é membro do Núcleo Mulheres da SBQ, e faz parte do grupo de trabalho sobre Equidade de Gênero na Ciência, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
- Está envolvida nos projetos “Experiências, experimentos e feira de ciências como ferramentas para atrair novos talentos para a química”, recentemente aprovado no edital "SBPC Vai à Escola", e “Mulheres na Ciência: Parceria Brasil-Reino Unido para Equidade de Gênero 2022-2023” em parceria com outras instituições do Rio Grande do Sul, aprovado junto ao British Council.
- A professora atua como docente da UFPel desde 2009. É pesquisadora dos Programas de Pós-Graduação em Química (PPGQ), Bioquímica e Bioporspecção (PPGBBio) e Ciência e Tecnologia de Alimentos (PPGCTA).
- É líder do Laboratório de Controle de Contaminantes em Biomateriais (LCCBio – UFPel).
- Entre os prêmios e as distinções nacionais e internacionais que recebeu, destaca-se a premiação “Para Mulheres na Ciência 2012”, concedido por L’Oréal, Unesco e Academia Brasileira de Ciências.
- Ela também venceu o “2018 JAAS Emerging Investigator Lectureship”, da Royal Society of Chemistry, e, em 2019, foi agraciada pela Iupac para representar o elemento “Bromo” no “Periodic Table of Younger Chemists” na celebração dos 100 anos da entidade e do “Ano Internacional da Tabela Periódica”.
- Em 2020, tornou-se membro afiliada da Academia Brasileira de Ciências (Ciências Químicas) e membro titular da Academia de Ciências Farmacêuticas do Brasil (Academia Nacional de Farmácia).
- Até o momento, orientou mais de 30 estudantes de iniciação científica, 13 mestres e cinco doutores. Possui patentes de inovação tecnológica, capítulos publicados em livros nacionais e internacionais e mais de 120 artigos em revistas científicas.